A escrita como terapia

por João Aranha

30.12.2019

Em palestra realizada em 9 de dezembro último, nas dependências da Livraria Vozes, no centro de São Paulo, Fabiana Natalia Ilario, professora de escrita criativa, leitura e redação da UATI pela Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da USP, abordou o interessante tema da escrita visto como uma ferramenta terapêutica que pode tornar as pessoas mais saudáveis e equilibradas.

Para tanto, elencou exemplos de pessoas, que ao colocar no papel vivências e fantasias, conseguiram externar o que lhes acontece, o que sentem, pensam ou desejam.

Muitas obras e experiências de vida foram citadas, entre as quais selecionamos as que seguem:

Um sopro de vida – Clarice Lispector

Com o subtítulo de Pulsações foi o último livro escrito por Lispector, quando ela já se encontrava enferma.

Na obra, a autora aborda o tênue limite entre autor e personagem, colocando-se numa espécie de espelho invertido, onde os desejos são inalcançados.

Há a eterna luta entre o ser e o existir, caracterizada por uma de suas marcantes frases: “Escrevo como se fosse para salvar a vida de alguém. Provavelmente minha própria vida”.

Pertencer – Clarice Lispector

Nesta crônica publicada inicialmente em jornal e depois inserida nas obras A Descoberta do Mundo e Aprendendo a Viver, Lispector aborda a solidão daqueles que não conseguem se ver como pertencentes a algo ou alguém.

”Pertencer para que a minha força não seja inútil e fortifique uma pessoa ou uma causa”.

Pela literatura, Lispector passou a pertencer a toda a humanidade.

No exílio – Elisa Lispector

A irmã mais velha de Clarice tem o estilo literário oposto de sua irmã. Enquanto a mais nova evita abordar passagens de sua vida, a mais velha é uma memorialista que resgata a origem da família, através de suas raízes judaicas.

Obra fundamental para se entender um pouco mais do sentido da escrita de Clarice, narra a vida de seus pais ao serem abruptamente alvos dos 'pogroms' (palavra russa que significa "causar estragos, destruir violentamente") contra os judeus na Ucrânia.

“A escrita é Voz do Ausente” – O mal-estar na cultura, Sigmund Freud

A frase acima, de Freud, ele mesmo um excelente escritor, sintetiza a importância que dá à escrita como instrumento para fazer frente aos limites e às restrições impostas pela vida.

A escrita faz presente alguém que está ausente, negando a distância que separa as pessoas.

Este papel da escrita – enquanto mantém relação com o ausente – está bem descrito em Fragmento da Análise de um Caso de Histeria.

Em busca de sentido – Viktor E. Frankl

Publicado em muitas línguas, sucessivas edições e milhares de exemplares, este pequeno livro constitui a porta de entrada para a logoterapia, a “terceira escola vienense de psicoterapia”.

O autor, psiquiatra e professor de neurologia, descreve como sentiu e observou a si mesmo e as demais pessoas e seu comportamento na situação-limite do campo de extermínio nazista durante a Segunda Guerra Mundial. Ao fazê-lo, toca na essência do que é ser humano: usar a capacidade de transcender uma situação extremamente desumanizadora, manter a liberdade interior e, dessa maneira, não renunciar ao sentido da vida, apesar dos pesares.

Foi uma tarde agradabilíssima que nos trouxe um conhecimento que vai muito além dos batidos livros de autoajuda, ressaltando a importância da vazão dos sentimentos, traumas e dificuldades vistos através da escrita e das artes em geral.

Como diz o Livro dos Provérbios: “As palavras suaves são favos de mel, doces para a alma, e saúde para os ossos”.



Pesquisa de imagens: Eduardo Mendes