O caminhão de combustível


Numa das salas do prédio velho da PUC São Paulo, o professor de Introdução a Economia incentivava a vaidade dos calouros desafiando a turma: - quem sabe explicar a lei natural dos mercados?


Edson Covic

07.02.2022

No início de 1975, numa das salas do prédio velho da PUC São Paulo, o professor de Introdução a Economia incentivava a vaidade dos calouros desafiando a turma: - quem sabe explicar a lei natural dos mercados? O burburinho começou com todos querendo responder ao mesmo tempo sobre a lei da oferta e demanda. O professor conteve o ânimo dos principiantes contando a seguinte história:

- Em uma cidadezinha dos Estados Unidos, um homem cuidava dos cavalos em seu rancho quando foi chamado a atender sua esposa que entrara em trabalho de parto. Cuidadosamente acomodou a esposa em sua caminhonete e dirigiu-se a maternidade que ficava a 40 km de distância. Tudo corria bem até que faltando metade do percurso a caminhonete parou por falta de combustível. Que fazer numa estrada deserta naquela situação? O desespero começou a tomar conta do homem não tivesse avistado ao longe um caminhão solitário trafegando no mesmo sentido. O marido acenou pedindo auxílio e o caminhão tanque, cheinho de combustível parou em socorro do casal. O caminhoneiro observou a necessidade daquele homem e imediatamente transformou em seu cérebro a oportunidade de tilintar mais moedas em seu cofre. Ele, naquele lugar, é o monopolista do bem escasso e necessário ao ávido comprador que certamente estará disposto a pagar um bom preço pelo galão de combustível. De um lado a única oferta do bem escasso e do outro lado a real necessidade pelo bem ofertado.

Dada a configuração do negócio o professor lança para a classe a seguinte questão:

- Qual o limite entre a ética e a lei natural de mercado?

Os alunos entreolharam-se e mais uma vez a discussão dos calouros foi inconclusiva. Alguns entenderam que dando chance a emoção e a piedade pela difícil situação do casal deveria ser vendido pelo preço de mercado. Outros entenderam que o preço de mercado é feito a cada momento por sua lei natural e aquele era o momento de cobrar. Outros ainda entenderam que o caminhoneiro deveria levar o casal até a maternidade a se aproveitar da dificuldade do outro.

- Então professor, qual é o limite? perguntaram os alunos.

- Vocês deverão completar o curso para obter esta resposta. Se após se formarem conseguirem compreender o limite entre a ética e a lei natural de mercado, provavelmente serão bons economistas e bons homens. Se após a graduação, vocês não tiverem a preocupação quanto a esse limite, serão no máximo bons economistas, respondeu o professor.

Trazendo esta história para nossos tempos observamos que na greve de caminhoneiros de 2012, os donos de postos de combustíveis passaram a perder venda e receita pela falta do produto nas bombas. Também passaram a aumentar o preço do combustível a níveis de sua escassez. Esse aumento de preços decorrente da greve custou multas e prisões de gerentes dos postos autuados por ser considerado pela justiça crime de especulação contra a economia popular conforme Lei 1521/51 publicado pelo G1 em 07/03/2012.

Por outro lado, serviços de aplicativo, tipo Uber, de Hotéis, ou das Companhias Aéreas operam com tabela dinâmica de preços sendo que um mesmo consumidor pode comprar o mesmo serviço do mesmo fornecedor por preços diferentes. A precificação dinâmica acontece por diversos motivos, dentre os quais destacam-se: o preço que equilibre a oferta e a demanda a cada momento como instrumento de concorrência; o preço que viabilize atrair consumidores que possam suprir o custo fixo do negócio; o preço que possa otimizar a margem de lucratividade após garantida cobertura do custo fixo; o preço que maximize a lucratividade em tempos de alta demanda, além de fidelizar consumidores frequentes por meio de políticas de desconto.

Alguns economistas entendem que a precificação dinâmica é injusta e prejudica o planejamento de gastos do consumidor. Considera que o mercado não opera em concorrência perfeita e a volatilização dos preços praticados acarreta em insegurança ao orçamento do consumidor. Qual a melhor compra?

Nestes dias difíceis de mercado que se abre e se fecha em tempos de pandemia me lembro da história do professor e o caminhão de combustível.


Os artigos publicados com assinatura são de responsabilidade exclusiva de seus autores e pode não ser necessariamente a opinião do Cidadão e Repórter.Sua publicação têm o propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.