Entrevista com Lilian Liang

Jornalista, formada pela Escola de Comunicações e Artes da USP, com mestrado em jornalismo Internacional pela Universidade da Califórnia em Berkeley. Há 20 anos cobrindo a área da saúde passando por diversas áreas, tanto oftalmologia, como oncologia, HIV, Aids e há 10 anos trabalha com envelhecimento.

Bernadete Siqueira

16.03.2021

Como foi idealizado o curso Repórter 60+?

O Repórter 60+ veio com o objetivo de oferecer a este público a mesma experiência que eu tive quando fui foca do Estadão. O curso de focas do Jornal Estado de São Paulo é oferecido para alunos do último ano e oferece uma experiência real de redação. E aí idealizamos esse curso.

Claro que seria impossível passar o que o curso de jornalismo passa em 12 semanas, mas a ideia é realmente dar fundamento de jornalismo e fundamentos de tecnologia para as pessoas com mais de 60 anos e oferecer uma experiência real também de redação - escrever matérias, entrevistar pessoas e ver sua matéria publicada. O curso nasceu de uma vontade minha de oferecer a mesma experiência que eu tive como foca para o público 60+ que é o público ao qual me dedico hoje.

Quantos alunos se formaram nas quatro turmas e como foi a reinvenção desses alunos depois do curso?

Formamos mais de 130 alunos contando as quatro turmas.

Três turmas foram possibilitadas com recursos do Fundo Estadual do Idoso e a quarta turma foi promovida pelo Sesc Avenida Paulista. Muitos alunos, depois do curso, encontraram um novo ofício, outros encontraram novo hobby e outros descobriram uma possibilidade de aprender coisas depois dos 60 anos.

Muitos acham que depois de uma determinada idade não se consegue aprender mais e isso está muito longe da verdade. A gente continua aprendendo até o dia que iremos embora daqui. Os focas, na verdade, mostraram a possibilidade de se reinventar. Muitos foram para o curso porque estava procurando reciclagem, outras pessoas estavam procurando socialização e outras pessoas estavam procurando um novo ofício.

Mas todos eles mostraram para nós que é possível se reinventar e muitos levaram isso para frente. Levaram isso para a vida real fora da sala de aula.

Alunos do curso Profissão Repórter 60+

Como os focas estão aplicando os conhecimentos recebidos no curso?

Podemos dividir os focas em duas turmas: a turma que realmente se encontrou no jornalismo, que acha que aquilo é uma coisa realmente interessante a qual eles podem se dedicar.

É o caso de algumas iniciativas que saíram do curso, entre eles o Cidadão e Repórter que é tocado por focas que hoje a gente não pode nem chamar de focas, porque já somos colegas, tem um veículo de comunicação e estão aí fazendo matérias.

Tem o Magazine 60+ do Manoel Conti, da turma III. Eles acabaram de publicar a edição 21ª da revista. É uma revista eletrônica e começou com colaborações de foca e hoje ele já tem colunistas que são profissionais na área de envelhecimento que aborda diversos temas dentro do contexto do envelhecimento.

Temos o 60aki que foi também uma experiência mais de vídeo. Eram quatro mulheres que criaram um canal no YouTube; foi muito interessante porque trouxe a perspectiva da mulher 60+ sobre temas da atualidade, temas que dizem respeito a elas mesmas. Era uma espécie de saia justa 60+

Tem também os focas que acabaram levando esse conhecimento, que tiveram durante o curso, para iniciativas próprias. Por exemplo, o Sr. Antônio Clemente, que criou um site. Como é muito ativo na igreja que frequenta e criou o site com informações sobre a Bíblia e músicas e também compartilha suas experiências. O que ele aprendeu no curso talvez não seja necessariamente algo que esteja usando para fins jornalísticos, mas aprendeu a criar um blog, a organizar as informações de uma maneira que faz sentido. O blog se transformou em um hobby. Ele transformou aquele conhecimento em algo a que se dedica hoje que é compartilhar informações e conhecimentos religiosos. Isso foi uma coisa muito interessante também.

E teve gente que levou para outro lado. Tem a Dulce que foi da turma do SESC que com os conhecimentos que aprendeu durante o curso ela levou para o coletivo Trabalho 60+ que trabalha com a comunicação do coletivo. Então vemos que as pessoas utilizam as informações das mais variadas formas e isso é muito legal. Claro que nem todo mundo vai ser foca, nem no curso de jornalismo todo mundo sai e vira jornalista. Tem quem sai e vai fazer outra coisa, é uma experiência que foi muito legal. Para nós também é interessante ver de que maneira as pessoas utilizaram o conhecimento que obtiveram no curso.

Como foi o uso da tecnologia durante o curso?

O ensino da tecnologia durante o curso era uma situação um pouco difícil porque nós usávamos o smartphone e as pessoas têm diferentes níveis de Smartphones.

Tem aluno que tem aparelho antigo e às vezes não roda determinados aplicativos e tem quem tem a Ferrari dos smartphones. Mas o que passamos foram conhecimentos básicos de como criar um blog, como criar um canal no YouTube, como fazer uma live no Facebook. Isso de alguma maneira todo mundo levou para casa. Todo mundo conseguiu assimilar esses conhecimentos. Mas isso é algo que tem que ser praticado, como tudo na vida. Não adianta ter aprendido no curso, ter feito uma live durante a aula e depois volta para a casa e nunca mais faz uma live, vai esquecer. Acho que as pessoas evoluíram muito não só em termos de manejo da tecnologia, mas também de perder o medo da tecnologia. Ficamos com aquele receio de apertar um botão e sumir tudo do meu Facebook ou compartilhar a minha senha do banco com todo mundo que me segue no Instagram, é na verdade tentativa e erro. Acho que um dos principais méritos do curso foi de dar esse ambiente seguro para as pessoas testarem e aprenderem ferramentas de comunicação e de tecnologia que eles pudessem levar para fora. Acho que conseguimos nesse sentido, dar uma boa base para os nossos alunos.

Quais foram as contribuições dos 60+, enviadas para o boletim do Aptare 360, neste período de pandemia?

Tivemos o boletim Aptare Coronavírus. Fizemos boletins que saíam duas vezes por semana. Contávamos muito com a colaboração dos focas para definir pautas. Muita coisa vinha de dúvida de saúde, obviamente porque era o que estava mais sendo atingido, como por exemplo: será que tem que fazer suplementação de vitamina D agora que eu não estou saindo de casa? Como é que eu faço a renovação da minha prescrição, já que eu faço uso de medicamento de uso contínuo? Quando sair uns testes para detecção de coronavírus, será que eu me encaixo? Será que eu devo fazer o teste de vacina?

Muitas dúvidas eram relacionadas às questões de saúde. Questões muito práticas mesmo. E tinha também as dúvidas de “é Dia das Mães, mas eu não vou poder passar com os meus filhos e com os meus netos. Será que podemos fazer um almocinho com nossa família?” A questão da solidão - de como driblar essa solidão. Acho que isso não só dos 60+, acho que todo mundo se deparou com essa questão e teve que encontrar recursos para trabalhar da melhor forma.

Pudemos trazer muitas ferramentas, como por exemplo ensinar a usar aplicativos de reunião para o almoço do Dia das Mães. Se não vai encontrar todo mundo então vamos fazer um vídeo conferência e aí todo mundo almoça junto pelo vídeo e consegue compartilhar aquela ocasião. Acho que foram esses dois principais pontos: a questão da saúde e a questão da solidão/socialização e recursos tecnológicos.

Há previsão de mais cursos Repórter 60+ pós pandemia?

Temos previsão de fazer uma turma online e estamos acertando os detalhes. Ainda não posso informar a data, mas sabemos que haverá um curso online e, para depois da pandemia, é claro que queremos continuar contando com as aulas presenciais, porque é uma experiência muito rica não só para os alunos, mas para os professores também. É realmente uma vivência muito transformadora. Saímos mudados porque essa convivência e o que aprendemos é algo muito rico por causa do engajamento e pela coragem como os alunos reagem às informações que são transmitidas. Isso é muito inspirador!

Agora ouça o podcast com a jornalista Lilian Liang, realizado para o programa Linha do Tempo da BandNews FM.



Revisão ortográfica: Geyse Tavares



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