Genética e registros históricos atestam passado violento do Brasil

por João Aranha

13.11.2020

Lygia da Veiga Pereira - Coordenadora do projeto

Acabam de ser divulgados os resultados preliminares do projeto DNA Brasil, onde mais de mil genomas sequenciados foram analisados. Participaram cerca de 15 mil voluntários, de 6 estados brasileiros, na faixa etária entre 35 e 74 anos.

Os dados ora divulgados referem-se aos primeiros 3 mil analisados já que os 12 mil restantes estão na dependência de que se consiga novos recursos.

Coordenado por pesquisadores da Universidade de São Paulo - USP, o projeto não encontrou guarida no Ministério da Saúde, tendo que contar com recursos privados. Esta iniciativa visa incluir o Brasil no mapa da genômica mundial, criando um banco de dados globais e públicos.

No mundo, 80% dos genomas sequenciados são feitos em caucasianos, ou seja, brancos de origem europeia ou norte-americana.

Tal empreendimento é de vital importância na descoberta de novos medicamentos e nos investimentos em saúde, principalmente na identificação de predisposição para determinadas doenças.

Todavia, face os estudos priorizarem os caucasianos, a maioria desses avanços beneficia diretamente esses grupos. Decorre daí a importância dos estudos voltados para brasileiros, considerando a nossa intensa miscigenação, formada por africanos, indígenas, europeus e asiáticos.

Considerando as heranças paterna (o cromossomo Y só pode ser passado para os filhos homens pelo pai) e materna (herança de DNA mitocondrial que é herdado somente da mãe), verificamos que, no nosso país há muitos homens de origem europeia e muitas mulheres de origem indígena e africana.

Estima-se que, desde a descoberta até fins do século 20, o país contou com a participação de 5 a 10 milhões de indígenas, 5 milhões de africanos trazidos para cá à força e 7 milhões de imigrantes europeus.

Veja abaixo os dados apontados pela pesquisa considerando o cromossomo Y masculino e o M mitocondrial feminino.

Observa-se que há muitos homens de origem europeia e muitas mulheres de origem indígena e africana.

Juntando-se a genética aos registros históricos nota-se que, nos primeiros 300 anos do Brasil, a participação de mulheres europeias foi muito baixa; enquanto, considerando o mesmo período, a população de 5% de europeus gerou 75% da herança masculina.

Verifica-se uma flagrante assimetria entre os dados.

Relatos históricos e evidências genéticas apontam para um caminho em que houve uma espécie de apropriação dos homens da etnia vencedora (europeia) em relação às mulheres das etnias africanas e indígenas que eram predominantes nos nossos primeiros tempos. Sabe-se também que, não só no Brasil, mas no restante do mundo, a relação entre conquistadores e conquistados sempre se caracterizou pelo brutal desequilíbrio entre senhores e escravas.

Não se deve generalizar, no entanto, parece ter ficado patente o passado violento do Brasil, principalmente no que diz respeito às mulheres.


Revisão: Maitê Ribeiro