Experiências em foco, com o personagem chamado Podcast

Esse conteúdo em áudio, disponibilizado por meio de um arquivo ou streaming, conta com a vantagem de ser escutado sob demanda, quando o usuário desejar. Pode ser ouvido em diversos dispositivos, o que ajudou na sua popularização, e costuma abordar um assunto específico para construir uma audiência fiel, uma versão atualizada do rádio.


por Lala Évan

04.01.2021

Os podcasts têm sido muito úteis para quem precisa consumir e absorver conteúdo rapidamente e de maneira acessível. Basta ter acesso a um aparelho celular e fones de ouvido, que você pode navegar pelos serviços de streaming disponíveis e conhecer centenas de produtores de conteúdo. De acordo com uma pesquisa realizada pelo Ibope, no ano de 2019, 40% dos 120 milhões de internautas brasileiros já ouviram algum programa de áudio.

Ao participar de um congresso da Abraji - Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo e acompanhar várias entrevistas pude conhecer Flávia Oliveira e Isabela Reis, mãe e filha, ambas jornalistas, superengajadas e representativas, que há mais de um ano, resolveram tirar do papel a ideia de criar um podcast para falar sobre diversos assuntos que são do interesse coletivo. Tratam dos temas com muita leveza, informalidade, intimidade e uma pitada de ousadia. Depois de vários episódios pilotos gravados e, segundo elas, após aquele frio na barriga, criaram o Angu de Grilo (Ang u de Grilo)​ , que recentemente foi indicado ao Prêmio UBUNTU de Cultura, que homenageia grandes personalidades pretas.

Angu de Grilo é uma homenagem à mãe de Flávia que, segundo ela, usava a expressão (que significa confusão) com muita frequência.

Na verdade, todo o trabalho desenvolvido por essas mulheres negras, de diferentes gerações, têm um significado ligado às suas trajetórias de vida. O logotipo, por exemplo, é uma junção da caligrafia da avó de Isabela e as ervas que são utilizadas no candomblé.

Os problemas dos produtores de Podcast

Para Isabela, que escreve sobre questões raciais, feminismo e política, em seu Instagram, o jornalismo ainda peca ao utilizar o podcast como plataforma, engajando o público jovem, porém utilizando o rosto e a voz de jornalistas mais velhos, que nada mais é do que o reflexo da realidade das grandes redações, onde predomina um grande número de profissionais homens, acima dos 50 anos e que se definem como brancos.

Para a jornalista, faltam mais oportunidades para as novas gerações, que são igualmente capazes e possuem experiências com os novos meios tecnológicos, além de ter uma visão mais crítica relacionada às agendas que também merecem cobertura, como a comunidade LGBTQI+ e o movimento negro: “Tem que ter mais gente jovem e fora do eixo São Paulo”.

Diante deste cenário, Flávia ressalta que o jornalismo sempre lidou com o etarismo, e relembra quando começou a entender mais sobre a importância da presença jovem na produção de conteúdos jornalísticos, observando a movimentação de grupos ativistas em prol da comunidade negra e suas raízes ancestrais. “É como se estes jovens estivessem se relacionando e aprendendo com seus avós”. Para ela, esta troca é fundamental para apostar em inovações. “Assim não se faz jornalismo estereotipado”.

A representatividade foi outro tema abordado, especialmente quando Isabela traz um recorte da falta de negros nas redações. Percepção que também é representada em números: na pesquisa do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) de 2015, apenas 22% dos jornalistas com postos formais eram negros. Flávia sugere mudar o catálogo de entrevistados e fontes, para que não sejam sempre as mesmas “figurinhas carimbadas”, que se tornam especialistas de tudo, da mesma forma que não se deve ter uma pressão profissional e de expectativa, quando um profissional negro conquista seu espaço.

Falando um pouco dos desafios

Uma das grandes reclamações dos podcasters é a falta de remuneração por seus trabalhos. Plataformas como Spotify e Soundcloud não retornam financeiramente todos os gastos de produção que existem por trás de cada episódio. Uma alternativa usada pelo Angu de Grilo é a plataforma de podcasts Orelo, que, segundo Isabela, é uma possibilidade para quem quer obter lucro sobre sua própria criação.

Questionada sobre a relação entre mãe e filha, durante as gravações, Flávia diz que todas as discussões que elas promovem são saudáveis e quando existe alguma discordância, é por conta de conflitos geracionais.

“A gente já tem no gene desta família o debate acalorado.”


Revisão: Maitê Ribeiro

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