Entrevista: José Carlos Moreno

Por João Aranha

03.10.2020

Astrônomo amador fala da sua grande paixão: a astronomia

“Vi, junto com outros amigos, astrônomos amadores, pontos de luz, deslocamentos improváveis, em horários em que os satélites artificiais não seriam visíveis. Mas nada sensacional, como o mostrado nos meios de comunicação.”

Veja dicas sobre visitas a observatórios, como observar o céu, os melhores aplicativos, documentários, filmes e livros. Leia abaixo a entrevista completa:

José Carlos Moreno Escribano, engenheiro, trabalhou em empresas relacionadas à televisão e, por 38 anos, na TV Cultura de São Paulo, onde se aposentou. É um aficionado por astronomia, autor de textos e palestrante e mora atualmente em Valencia – Espanha.


Veja, a seguir, a entrevista que Moreno concedeu, diretamente de Valencia, ao Cidadão e Repórter:

CeR: Poderia nos contar como nasceu o seu interesse por astronomia?

José Carlos: Eu creio que fascinação, paixão pela astronomia, nasce com a pessoa. Meu pai, sem dúvida, foi quem me despertou essa fascinação. E logo que pude, comprei o primeiro instrumento de observação: uma luneta bem modesta, mas que me fez sentir uma emoção memorável, ver Saturno e seus anéis, numa fria madrugada, no quintal da casa de meus pais, inesquecível!

CeR: Qual a importância dos astrônomos amadores?

José Carlos: A principal é a divulgação dessa ciência. É muito comum grupos de astrônomos amadores fundarem associações, criando atividades que atraem as pessoas interessadas, e muitas vezes daí nascerem profissionais que se destacam no meio científico. Também são potenciais descobridores de cometas e asteroides, pois são milhares de aficionados, espalhados por todo o planeta, olhando para o céu todos os dias. Quando descobrem um cometa ainda não catalogado recebem o prêmio de batizar o cometa com seu nome - um belo incentivo!

CeR: Quais são os principais observatórios astronômicos do Brasil e da América Latina?

José Carlos: O Brasil possui observatórios em quase todos os estados, muitos deles ligados a aplicações acadêmicas, mas que também oferecem atividades abertas ao público.

Um deles é o observatório de Brasópolis, em Minas Gerais, um dos mais visitados. Os grandes centros astronômicos na América Latina se localizam no Chile, mais especificamente no deserto de Atacama, uma das regiões com os melhores céus do planeta, por ter um clima muito seco. Lá se localizam os Observatórios de La Silla, Cerro Paranal, Cerro Tololo, e muitos outros.

CeR: Eles são acessíveis ao grande público?

José Carlos: A maioria deles sim, claro que em horários determinados e agendados com antecedência. Alguns deles abrem ao público para observação noturna, geralmente o número de visitantes é limitado nesses locais, para que possa haver melhor aproveitamento da atividade. Existem centros astronômicos de iniciativa privada, como o Polo Astronômico de Amparo e o CEU, Centro de Estudos do Universo, em Brotas, os dois no interior do estado de São Paulo.

No entanto, os grandes observatórios, como os do Chile, são reservados aos pesquisadores, que disputam, devido à agenda apertada dos equipamentos, as noites de observação. Nesses observatórios podemos fazer visitas durante o dia, o que é muito interessante, pois podemos conhecer ao vivo a tecnologia mais avançada em observação astronômica.

CeR: Qual a melhor maneira de se observar o céu a olho nu numa grande cidade como São Paulo ou Valencia?

José Carlos: A observação do céu em grandes centros urbanos é muito prejudicada pela chamada poluição luminosa, que nada mais é do que a própria iluminação pública. Nossa atmosfera contém vapor de água e partículas de pó em suspensão. A luz, quando irradiada para cima, ilumina esse vapor e essas partículas, clareando o céu e com isso não podemos ver objetos de luz tênue. Nas grandes cidades podemos observar a Lua, os planetas Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno, e as estrelas mais brilhantes, como Sírius, Aldebaran, Antares, Betelgeuse, e algumas mais. Se quisermos contemplar o céu de maneira plena, devemos procurar locais distantes dos grandes centros urbanos, de preferência na maior altitude possível, para diminuir o efeito da umidade do ar.

CeR: Se o senhor fosse o principal mandatário da Nasa, qual seria a sua prioridade no momento atual?

José Carlos: Pergunta complicada! Existe uma parte da sociedade que critica, e não sem razão, os investimentos em pesquisa científica, já que vivemos em um planeta onde ainda morrem crianças de fome e de doenças, até fáceis de serem debeladas se houvesse saneamento e água tratada. No entanto, há o outro lado, a pesquisa científica abre novos horizontes e o desenvolvimento de equipamentos para esse fim acaba revertendo em melhorias em nosso dia a dia e em todos os campos. Simplificando: muitos equipamentos de segurança e aperfeiçoamento tecnológico, presentes em nossos automóveis, vieram dos carros de Fórmula 1.

Mas se é para dar minha opinião, investiria mais nos telescópios espaciais, que vêm trazendo grandes resultados para o estudo e entendimento do universo.

Para pesquisa e exploração, sugeriria sondas robotizadas. O homem não está preparado física e tecnologicamente para grandes viagens, como por exemplo, a Marte. Nossas espaçonaves são lentas e frágeis, o corpo humano, quando submetido à falta de gravidade, sofre degenerações ósseas e musculares, necessitamos de oxigênio para respirar, comida e água. Um suprimento para muitos meses seria uma carga complicada e volumosa. A robótica está muito desenvolvida, a meu parecer; as primeiras missões a Marte deveriam ser feitas por robôs, que não comem nem bebem, não adoecem, são resistentes às radiações, e podem ser recarregados pelos painéis solares. Dessa forma não se arriscaria vidas humanas até que houvesse uma estrutura de manutenção de vida, pronta para recebê-los em Marte.

CeR: Fala-se muito em Marte e quase nada de Vênus, que está mais perto da Terra. Qual seria o motivo?

José Carlos: Vênus é um planeta irmão da Terra, quase do mesmo tamanho, mas com características muito diferentes, mais próximo da Terra do que Marte, porém menos hospitaleiro. Sua atmosfera, de dióxido de carbono, é extremamente densa e a temperatura atinge 460 graus. A pressão na superfície do planeta é de 90 atmosferas; comparando, é como se estivéssemos a 100 metros de profundidade no oceano. Tem chuva de dióxido de enxofre e ácido sulfúrico. Vênus, que seria Afrodite, deusa do amor para os romanos, não é tão amorosa assim!

As sondas enviadas para o planeta sobreviveram poucos minutos, devido à temperatura e à pressão. Sondas que orbitam Vênus realizam estudos de sua atmosfera e mapeiam sua superfície através de radar e outros equipamentos. Há pouco tempo, tivemos notícias de que encontraram na atmosfera “fosfina” (elemento que evidencia que há ou que houve vida no planeta). Vênus não é atraente para passar férias, melhor Marte que é mais tranquilo!

CeR: Há alguma chance de estabelecer uma colônia de terráqueos em algum astro?

José Carlos: Creio que ainda é cedo para termos uma colônia na Lua, por exemplo, ou em Marte, que seriam os candidatos mais favoráveis. Muitos problemas de ordem técnica e biológica têm que ser solucionados para possibilitar uma empreitada desse porte. Como já mencionei, esses habitats devem ser preparados antes da chegada efetiva dos homens, pois nem na Lua nem em Marte temos atmosfera respirável, e a superfície é bombardeada por radiação nociva para a vida, visto que esses astros não possuem nem atmosfera nem campo magnético para proteger. Mas certamente existem muitos cérebros brilhantes e competentes pensando em como resolver esses problemas.

CeR: Parece não mais haver interesse em mandar naves para a Lua. Por que isso estaria ocorrendo?

José Carlos: A pesquisa espacial é muito cara, os investimentos, por assim dizer, são astronômicos. Já se sabe muito da Lua, e dentro do nível tecnológico em que nos encontramos os benefícios exploratórios não competem com os enormes gastos. A grande motivação é que fosse possível uma exploração rentável, o que ainda não se vê, pelo menos para nós simples humanos, no horizonte da Lua.

CeR: O senhor já viu algum Ovni? Acredita que existam?

José Carlos: Essa pergunta não poderia faltar! Particularmente nunca vi algo como o que aparece nos programas de TV. Vi, junto com outros amigos, astrônomos amadores, pontos de luz, deslocamentos improváveis, em horários em que os satélites artificiais não seriam visíveis. Mas nada sensacional, como o mostrado nos meios de comunicação.

Se acredito? Acredito que o universo é muito grande para que só existamos nós. Considerando as limitações que temos hoje, as distâncias são tão grandes, que mesmo à velocidade da luz, as viagens interestelares seriam muito demoradas. Muitas teorias existem, a ficção científica nos entusiasma, quem sabe... O celular, se mostrado a alguém do século XIX, seria considerado um equipamento extraterrestre. Se assistirmos à série Star Trek, veremos que já estamos na frente, pelo menos nesse campo.

Mas vamos supor que exista uma civilização muito desenvolvida, que até pode viajar entre as estrelas, acredito que para atingir tal grau de evolução, tenha resolvido muitos dos problemas que já falamos, e que não seja predadora, pois quem consegue chegar a tal nível tecnológico, a matéria estará sob seu domínio, e não terão essas (nossas) carências. Supondo que sejam pacíficos, que sua motivação de viajar seja mesmo de ampliar os conhecimentos, conhecer novas espécies, estamos preparados para esse contato? Creio que temos de resolver muitos problemas em nosso planeta, problemas básicos, sermos menos egoístas, quem sabe aí teremos conquistado o direito de fazer contato com uma civilização mais desenvolvida.

CeR: A Terra está preparada para um eventual choque de um meteoro de grandes proporções?

José Carlos: Resposta direta: não está! As agências espaciais por todo o mundo mantêm um projeto de detecção e alerta de objetos que poderiam oferecer perigo. Se um desses objetos apresentar um tamanho considerável, como algumas centenas de metros ou mais, que poderia ser um cometa ou um pequeno asteroide, e estivesse em rota de colisão com a Terra, pouco, ou mesmo nada, se poderia fazer, a não ser evacuar a área a ser atingida, minimizando a perda de vidas do choque, mas as consequências climáticas poderiam ser catastróficas. Atualmente não temos tecnologia para evitar um evento como esse.

No cinema já se explorou bem este cenário, mas isso ainda é ficção.

Felizmente, vivemos em uma era em que o grande bombardeio de meteoritos e de cometas já acabou. Isso ocorreu na formação do sistema solar, e foi muito positivo, pois aportou água e outros materiais ao nosso planeta, e talvez não houvesse condições de vida se isso não houvesse acontecido. Nossa era é mais tranquila, eventos como esses são raros, e a Terra é um alvo pequeno, se comparado a Júpiter, que com seu grande campo gravitacional, é nosso escudo, na eventual entrada de objetos como cometas, nos planetas internos, do sistema solar.

CeR: A queda de meteoritos parece ser frequente. Há maneiras de coletar fragmentos desses eventos geralmente pouco visíveis?

José Carlos: Por ano são estimados que 16 toneladas de meteoritos caiam na Terra, esses são os que sobrevivem à entrada na atmosfera, por possuírem massa suficiente para suportar a forte abrasão e o calor gerado nessa queda. Muitos mais, de pequeno tamanho, são consumidos e volatizados, e de algum modo acabam se integrando à Terra, em forma de gases e cinzas.

Os maiores conseguem chegar à superfície, e caem de maneira uniforme por todo o planeta, mas não são fáceis de encontrar. A grande maioria cai no mar, outra grande parte cai em regiões com vegetação, e rapidamente, pela ação de chuvas e ventos, se mistura com o solo.

Nos desertos e regiões geladas, como na Antártida, eles são mais facilmente encontrados, por se destacarem do entorno.

Hoje o comércio de meteoritos é um negócio rentável, alguns deles valem seu peso em ouro, como o caso dos “condritos carbonados”, que são mais raros e mais procurados, por esta razão.

Os “condritos” são meteoritos metálicos, mais comuns, mas dependendo do tamanho são bem procurados. Portanto garimpar meteoritos nos desertos ou em planícies geladas pode dar dinheiro, não sei se compensaria os gastos para buscá-los.

CeR: A iniciativa particular deve substituir os órgãos governamentais nas conquistas espaciais? Há ganhos para a ciência nisso ou o que existe é apenas interesse financeiro?

José Carlos: A exploração espacial é muito cara, e como já comentamos, existe uma grande pressão social que critica esses gastos, havendo tantas carências no nosso planeta.

A iniciativa privada vê com olhos de lucro esse segmento, pois começa a se vislumbrar possibilidades de comercialização de voos orbitais, e prestação de serviços a agências espaciais, que, como órgãos estatais, são geralmente mais onerosos. Sempre há ganhos para a ciência, que acaba revertendo em evolução tecnológica que chega a toda humanidade. Creio que os órgãos governamentais irão se concentrar em pesquisas e definição de objetivos, que se interessantes, serão “comprados” pelas empresas privadas.

CeR: Que aplicativos o senhor recomenda para quem quiser observar melhor os eventos astronômicos?

José Carlos: Há muitos, alguns deles gratuitos e de boa qualidade. Vou destacar um deles, que pode ser instalado em um computador, em um tablet ou mesmo em um smartphone, se chama Stellarium (stellarium.org); é um software bem amigável e excelente para fazer reconhecimento de céu, e pode ser usado até como um planetário digital.

Bons aplicativos para tablet e smartphone são o StarWalk e Skysafari, que apresentam gráficos excelentes e com uma característica interessante, pois utilizam o acelerômetro e GPS. Quando apontamos para o céu nosso tablet ou smartphone, nos será mostrada a representação gráfica do céu em tempo real, localização das estrelas e planetas e até satélites. Existem muitos mais, é uma questão de pesquisar e escolher aquele que melhor se adapta às expectativas de cada um.

CeR: E quanto a cursos, livros e filmes?

José Carlos: Na situação em que vivemos, devido à pandemia, a internet se tornou um veículo imprescindível.

Temos muitos recursos, palestras e documentários à nossa disposição. O site dos Planetários do Brasil começa a oferecer sessões de planetário ao vivo, com possibilidade de os assistentes fazerem perguntas, uma atividade bem interessante para o iniciante em astronomia. A série Cosmos, de Carl Seagan, e depois as duas séries de mesmo nome, apresentadas por seu discípulo, Neil Degrasse Tyson, são excelentes, muito didáticas, e as versões mais modernas apresentam recursos de computação gráficas excelentes. Livros há muitos e de diversos níveis, recomendo começar por livros de astronomia básica. O professor Marcelo Gleiser escreveu um livro muito interessante chamado A Dança do Universo, que vale a pena ter na estante ou no iBook. Outra opção é um atlas do céu, para quem gosta de folhear fisicamente um livro, e um um atlas da Lua, para começar a se familiarizar com as crateras e mares que lá existem em abundância e, com uma modesta luneta, será um prazer reconhecer cada um deles. Um objeto antigo mas muito eficiente é o planisfério celeste rotativo, que permite reconhecer o céu que temos em qualquer época do ano, sem necessitarmos de recursos técnicos. Para quem se interessar, basta digitar em seu buscador de internet, “Planisfério Celeste”. Atenção apenas para escolher o planisfério adequado a seu hemisfério, sul ou norte.

CeR: A ficção científica parece estar às vezes um passo além da ciência. Quais livros, filmes, séries e documentários o senhor recomenda para quem quer se iniciar?

José Carlos: Existem bons livros de ficção científica. Tenho uma preferência especial pelos do Arthur C. Clark, um escritor americano, que chegou a ser consultor da Nasa, e cujas ideias se tornaram realidade, como os satélites geoestacionários. Dele foi a obra “2001 - Uma Odisseia no Espaço”, um clássico a meu ver, ainda insuperável. Isaac Asimov também tem bons e interessantes livros. Quanto a filmes, alguns têm um conteúdo interessante, como o próprio 2001, de Stanley Kubrick, ou o Interestelar, mais recente. Os demais são um pouco “forçados”, servem como diversão, mas com conteúdo técnico bem duvidoso.

Os documentários são mais para aspectos da ciência e não ficção, mas nem todos são críveis.

CeR: Qual será a manchete astronômica que os jornais devem publicar em 2050?

José Carlos: Que pergunta! Bom, seria uma manchete que devem publicar em 2050, seguindo a evolução tecnológica. Creio que seria assim: “Não estamos sós, agora é uma certeza.”


Revisão: Maitê Ribeiro