Inteligência coletiva

Por João Aranha

14.09.2020

“A inteligência coletiva está sendo aplicada em larga escala pela ciência já que é difícil uma pessoa conhecer tudo o que necessita. Este fato torna a colaboração e a cooperação um imperativo, onde cientistas mais conhecidos e produtivos são aqueles que frequentemente trabalham em equipe.”

No passado, o desenvolvimento das ciências dependia quase que exclusivamente do aparecimento de gênios que trabalhavam isoladamente.

Hoje, com a especialização e o amplo alargamento do conhecimento científico e tecnológico, é muito raro aparecer um novo Isaac Newton, um Charles Darwin ou um Da Vinci.

Isso não significa dizer que não há valor no pensamento individual e independente.

Ao contrário, não há como ignorar o cabedal de um indivíduo, sua educação, sua experiência, suas habilidades e sua capacidade de resolver problemas.

Convenhamos que, face a um conhecimento diferenciado e multidisciplinar, o domínio teórico ou prático de uma ciência, uma arte ou uma técnica, tende a ser pontual, caminhar para uma especialização, onde se sabe mais sobre menos assuntos.

Ao contrário das formigas os seres humanos agem e tomam decisões de forma independente. Porém, independência não significa racionalidade ou imparcialidade.

Ao errar uma avaliação, o indivíduo pode acarretar consequências desagradáveis para si, mas se pertencer a um grupo, mesmo que o seu comportamento seja faccioso e irracional, isso não tornará o coletivo menos inteligente.

Em outras palavras, mesmo que haja interações entre os indivíduos baseadas em erros, o grupo tende a tomar uma decisão coletiva mais inteligente.

Quando aconteceu o crash da Bolsa de Nova York, em 1929, que levou o desespero a muitos e a alguns suicídios, houve um espanto geral quando se ficou sabendo que o ator Charles Chaplin — um investidor contumaz — havia vendido suas ações poucos dias antes da terrível queda.

Chaplin explicou que sua atitude não tinha nada de futurologia, e que ele apenas havia tomado sua decisão baseada no que diferentes analistas financeiros diziam que poderia ocorrer a qualquer momento. Não era a opinião de um, mas de vários especialistas.

O fato comprova que, embora sejamos seres autômatos, somos também sociais, aptos a aprender uns com os outros.

Cabe aqui uma ressalva importante: inteligência coletiva nada tem a ver com a chamada sabedoria convencional, aquela em que as pessoas costumam aceitar a explicação de como as coisas são e sempre foram, sem se preocupar em correr riscos, inovando, ousando e mudando sua maneira de pensar.

Nos tempos atuais, com excesso de informações e com a constante dúvida da veracidade dessas informações, estamos sujeitos a nos deixarmos influenciar pelo contexto, criando condições para que sejamos mais inteligentes individualmente e coletivamente mais tolos.

Dessa forma, a tramitação do conhecimento individual para o coletivo requer que algumas condições sejam obedecidas, propiciando sabedoria na tomada de decisões, por parte de um grupo ou uma sociedade.

O primeiro fator é o respeito que se deve ter à diversidade de opinião (toda opinião deve ser considerada, mesmo as excêntricas); o segundo é independência (que não significa isolamento, mas liberdade de pensamento); o próximo é descentralização (se especializar e trabalhar com conhecimento local) e, finalmente, a agregação (capacidade de transformar as avaliações pessoais em acertadas decisões coletivas).

Acrescente-se, ainda, a esses fatores a coordenação (permite ajustar o comportamento dos que têm o mesmo objetivo) e, principalmente, a cooperação (que estabelece a diferença do que é viver inteligentemente em sociedade, da simples vida de um bando).

Estudos feitos por matemáticos apontam que, na tomada de decisões, a média de opiniões tende a se aproximar da resposta dada pelo membro mais inteligente.

A tomada de decisões efetiva e bem-sucedida exige que se vá além do momento e das circunstâncias atuais. Assim, ao se dispor de muitas informações fidedignas, podemos minimizar incertezas futuras e mesmo prever alguns acontecimentos.

Empresas de seguro e organizações que bancam apostas estão aí para reforçar esse argumento.

O caso do rio Choluteca

Vejamos o caso do rio Choluteca, que fica em Honduras na América Central.

Nos anos 1980 os dirigentes hondurenhos, visando integrar duas regiões da acidentada geografia local, propuseram a construção de uma ponte sobre o rio Choluteca.

Para tanto o governo construiu uma estrada até a cabeceira da futura ponte e sua continuação no final da nova infraestrutura.

Ponte sobre o rio Choluteca, Honduras, América Central

Com a intenção de que a ponte fosse um cartão de visitas da recuperação da economia hondurenha, os dirigentes optaram por entregar a construção aos japoneses.

As únicas recomendações dadas aos engenheiros japoneses era de que a ponte deveria ser muito bonita mas, ao mesmo tempo, que fosse segura e resistente, pois a região, como se sabe, é palco de violentos furacões e tempestades intensas.

Os japoneses, por terem vivido muitas experiências similares, são experts em construir obras que resistam aos terremotos tão comuns em seu país.

A ponte, construída rapidamente, se transformou num ícone, sendo local de visitação e ufanismo.

Não muito tempo depois, Honduras sofre as agruras do furacão Mitch, deixando um rastro de destruição, derrubando casas, estabelecimentos comerciais e públicos, além de uma forte inundação que mataria muitos de seus habitantes.

O rio Choluteca, como outros do país, transbordou, mas a ponte japonesa resistiu bravamente, aparecendo incólume naquela paisagem devastada.

Passado algum tempo, as águas baixaram e como se previra, haveria necessidade de se refazer as estradas de acesso.

Eis que surgiu o imponderável: o rio com a cheia e a fúria das águas acabou por cavar um outro canal, mudando seu curso e não correndo mais sob a maravilhosa e resistente ponte.

A mesma ponte após as águas baixarem

Ele, agora, corria ao lado da ponte deixando a obra completamente sem função.

Acidentes e manifestações extremas da natureza existem e, no caso de Honduras, são previsíveis.

A resistência da ponte estava nos planos dos governantes e dos construtores. O que teria falhado então, se é que houve falha na decisão?

Ao que parece, ao contratar tecnologia externa especializada, os governantes ignoram o conhecimento vulgar que se tem da natureza e da vida. Deixaram de trabalhar com o conhecimento local, proveniente de pueblos indígenas que, acostumados com as terríveis enchentes dos rios, praticam o que chamam de agricultura migratória, ou seja, ao habitar zonas ribeirinhas, sabem que estarão sujeitos a constantes inundações e transbordamentos, o que os abriga a sempre se estabelecerem de uma forma provisória e que permita mudanças rápidas do seu habitat.

Não é possível saber se a diversidade de opiniões, até mesmo as que pareçam não se basear no conhecimento científico, poderia dar outro rumo à construção ou a viabilidade de se construir essa ponte nesse local, mas de qualquer forma fica a lição de que um problema deve ser enfrentado considerando todos os ângulos possíveis e imagináveis, o que só se consegue com ampla diversidade em vez de pequenas variações do mesmo conceito.

Inteligência coletiva

A inteligência coletiva está sendo aplicada em larga escala pela ciência já que é difícil uma pessoa conhecer tudo o que necessita. Este fato torna a colaboração e a cooperação um imperativo, onde cientistas mais conhecidos e produtivos são aqueles que frequentemente trabalham em equipe.

Ganhos associativos também ocorrem entre espécies diferentes — processo conhecido como simbiose — o que levou os cientistas a se inspirarem no comportamento animal, notadamente nos insetos sociais, formigas e abelhas.

Uma colônia, no caso das formigas, resolve de maneira rápida e eficiente os principais problemas de seu cotidiano, de forma coordenada, sem ninguém no comando e sem nenhum controle aparente.

Quanto às abelhas, há um processo de avaliação independente e tomada de decisões que consegue transformar opiniões diferentes em escolhas que beneficiam toda a coletividade.

Modelos gerados pela observação desses insetos já são aplicados em larga escala nas ciências da computação, os quais, uma vez transformados em algoritmos são traduzidos em linguagem de programação, colaborando desde a implantação de sistemas de distribuição de bens até a administração de aeroportos e controle do tráfego aéreo.


No dia a dia, na família, no trabalho, na escola, nos clubes e associações que frequentamos, e até mesmo nas inevitáveis reuniões de condomínio, se seguirmos o extraordinário comportamento das abelhas, com certeza tomaremos a melhor decisão, nem que isso importe em abrir mão de nossos interesses individuais em prol dos benefícios das nossas pequenas e grandes colmeias.


Para saber mais: A Sabedoria das Multidões - James Surowiecki - Editora Record



Revisão: Maitê Ribeiro