A hiperconectividade e as relações sociais nos tempos atuais

Por Lala Evan

19.04.2020

Em uma crise mundial em que a tomada de decisões, negócios, reuniões passam a ocorrer fora do local de trabalho, colaboradores e parceiros podem estar em qualquer parte do mundo, assim como os clientes, sem a dependência de mobilidade, ou de aulas presenciais. A possibilidade do isolamento físico, mas não do social, com mecanismos que dão sustentabilidade às comunicações e às decisões, tem como condição fundamental a atuação da ciência e tecnologia.

Mas é importante destacar a ambivalência do uso da ciência e da tecnologia. Por um lado, seus entusiastas apresentam os benefícios do uso de algoritmos, de ferramentas para melhorar a capacidade de trabalho e aprendizado, associando dados e experiências. Cada vez mais, passarão a dominar os processos mais complexos, reduzindo as nossas funções até mesmo para as coisas mais simples. Por outro lado, tornará o ser humano obsoleto com a sua velocidade de processamento e um banco de dados inimaginável para o cérebro humano. Além disso, a hiperconectividade não poderia deixar de representar impacto para as relações sociais, produzindo determinadas formas de sofrimento psíquico.

As novas tecnologias da informação difundiram-se pelo globo com a velocidade da luz em menos de duas décadas, entre meados dos anos 1970 e 90, por meio de uma lógica que é a característica dessa revolução tecnológica, que se encarregou da convergência de tecnologias específicas para um sistema altamente integrado.

No livro A sociedade em rede (1996) o sociólogo Manuel Castells defende a tese de que há uma tendência histórica de determinados processos dominantes; na era da informação passamos a nos organizar em torno de redes, constituindo a nova morfologia social de nossas sociedades. Essa difusão da lógica de redes modifica de forma substancial a operação e os resultados dos processos produtivos e de experiência, poder e cultura” (Castells, 1999:497).

O autor nos faz refletir sobre o processo de transição histórica para uma sociedade informacional e para uma economia global. Processo que é caracterizado pela deterioração generalizada das condições de trabalho e de vida para os trabalhadores. Essa deterioração assume formas diferentes nos diferentes contextos: aumento do desemprego, queda dos salários reais, aumento da desigualdade, a instabilidade no emprego, o subemprego e a maior concentração de força de trabalho, "informalização" e desvalorização da mão de obra urbana recém-incorporada nos países em desenvolvimento; e a crescente marginalização da força de trabalho rural nas economias subdesenvolvidas e estagnadas. Para Castells, essas tendências são resultado da reestruturação atual das relações capital-trabalho, com a ajuda das poderosas ferramentas oferecidas pelas novas tecnologias da informação e facilitadas por uma nova forma organizacional: a empresa em rede.

Essa pauta foi escolhida justamente por sua relevância social no exato momento que a sociedade está vivendo, marcado por “um articular de mentes, criando significado, contestando o poder”, uma vez que é nelas que as relações acontecem (aceitação, indignação, construção de valores etc.). Castells ressalta a importância de compreender os movimentos sociais em seu processo de formação, sua dinâmica, valores e perspectivas de transformação social, destacando o papel da comunicação no processo de compartilhamento de significados e troca de informações.

Sob esse ponto de vista, nosso objetivo primordialmente é chamar a atenção para o fato social a que estamos ligados inconscientemente, que é o da Coerção Social (tema muito presente na Sociologia de Durkheim), que pode ser entendida como forças que levam os indivíduos a agirem de determinado modo, de acordo com os próprios fatos sociais. As coerções podem ser legais ou morais, sendo que as primeiras estão prescritas em lei e as segundas afloram da própria sociedade, com seus costumes, hábitos, formas de pensar e agir coletivas.

Isso significa que o indivíduo será descartado se não fizer parte da comunicação mediada por computadores, controle institucional, redes sociais e comunidades virtuais, o que implica que teremos que fazer parte da audiência em massa. Trata-se de um sistema organizado que possui uma estrutura homogeneizante; agora não só as empresas devem estar em rede, o próprio ser humano é movido continuamente a ter uma existência em rede. Também seria importante destacar o fato de que os indivíduos desejam aderir a essa existência em rede que, em larga medida, pode assujeitá-lo. Há uma dinâmica do sofrimento psíquico que passa fundamentalmente pelo desejo frustrado de ser incluído numa estrutura homogeneizante; a sensação de fracasso, de obsolescência, de inadequação etc. são expressões disso. Vale ressaltar que não há sofrimento psíquico que não seja expressão de determinadas estruturas de organização social com suas instituições, suas significações e valores.

O tema em questão é importante não só por sua atualidade, mas porque também pode fornecer um modelo explicativo que enfatize as ações e as relações humanas não apenas por meio dos condicionantes macro-históricos e organizacionais que visam apenas o útil e a maximização do lucro; considerando, assim, aspectos comunicativos, culturais e tecnológicos – fundamentais para a compreensão da sociedade contemporânea. Tal análise nos possibilita somar as perspectivas on-line e off-line para esses fenômenos associativos que têm marcado a teoria dos movimentos sociais.


Revisado por Maitê Ribeiro
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