08 de junho / 2020

por Malu de Alencar

14.06.2020

Segunda-feira.

Acordei com o noticiário da manhã, dormi com a televisão ligada.

Foi bom, tinha notícias sobre o movimento que foi pras ruas reclamar do governo em vinte capitais.

O presidente não fez as bravatas das últimas semanas, não sobrevoou com o helicóptero do governo, nem montou em cavalo do exército. Ainda bem.

Faz 13 segundas-feiras que acordo e não sei o que fazer, desde 16 de março.

Abro a janela, olho pro céu e fico até triste quando o sol brilha, seria melhor se o dia estivesse frio, chuviscando. Ficaria mais tempo na cama sem sentimento de culpa.

O fato é que essa pandemia acendeu minha memória e volta e meia volto para o passado cheio de lembranças.

Me faz lembrar de situações inusitadas que já vivi. E isso me acende o medo, a angústia e principalmente a saudade, pois nessa volta ao passado eu tinha os braços fortes de meus pais que me acolhiam e me sossegavam.

Agora estou sozinha e nem posso acalentar meus filhos e netos. Impossível abraçá-los ou apertá-los nos meus braços, e eles também estão com medo.

Numa manhã longínqua de junho acordei e fui para o quintal, a grama estava branca, coberta de gelo, o milharal do pomar também, cada pé de milho parecia um espantalho. Tive medo que não pudesse mais brincar na grama e nem comer milho fresco assado no fogão a lenha de minha mãe.

Fiquei assustada, meu pai atrás de mim explicou que era uma geada. Era outono e estava anunciando a chegada do inverno, logo o sol derreteria o gelo, era o ciclo natural das estações; era para eu ficar ali esperando, pois além de apreciar o momento, me esquentaria com os raios do sol.

Acalmou meu coração.

Outra cena que não esqueço foi numa das inúmeras viagens para o Mato Grosso, meu pai gostava de pescar logo ao amanhecer, eu na frente carregava o anzol e uma caçamba com iscas. Ia correndo pela trilha, às vezes parava esperando Vicente, o velho Capitão do Ar, como seus primos e amigos o chamavam. Catava folhas e flores pequenas, colocava tudo na caçamba. De repente senti o braço forte de meu pai me puxar para trás e só ouvi um tiro certeiro...

Assustada, fiquei paralisada e na frente de meu pai uma cobra preta, uma urutu arriada no chão. Estava pronta para dar o bote.

Voltamos para o rancho e naquele dia não teve pescaria e por muito tempo não tive coragem de chegar nas margens do Rio Verde. Meu medo de cobras teve início nesse dia e nunca mais foi embora.

Não sei o motivo dessas lembranças.

Mas lá no fundo eu sei sim. É que estou com medo, não tem ninguém que possa me explicar o que está acontecendo com o nosso planeta.

Não sei quem é esse vírus, onde ele está, se tem forma, como ele age, quem ele pode atacar....

Falta informação sobre o que está acontecendo e quais as medidas que o governo está tomando, mas nem ministro da saúde temos, há uma briga política e fica claro que essa pandemia não tem prioridade para o presidente da República, não tem propostas e projetos para minimizar essa crise sanitária. Me dá muita raiva, tenho vontade de sair gritando nas ruas.... quem sabe isso acalme minha angústia?

Está muito difícil viver essa quarentena. Faz exatos 85 dias que tenho medo e não sei como vou sair desse caos.

Tenho muito medo que esse inimigo invisível ataque meus filhos, netinhos, minha família, meus amigos... egoísta como sou, quero saber de todos.

Não sei se vou sobreviver ou como vou sair dessa.


Revisão: Maitê Ribeiro