Três praças, um amor


Eu acho que há nas lembranças de cada um, o lugar para uma praça, tenhamos morado numa pequena ou grande cidade.


Appio Ribeiro

28.11.2021

O importante não é o lugar, mas o que acontece nele.

Cada avenida, cada rua, cada beco da cidade foi testemunha de acontecimentos

que fizeram a história de muita gente. Inclusive da sua.

Este é um pedaço da minha.


Aposto que Você tem em suas lembranças pelo menos uma praça.

Seja aquela pracinha em que na infância ia brincar com amigos e ela se transformava em campinho de futebol ou pista de pega-pega. Depois, a pracinha que era o ponto de encontro da turminha. Ou aquela praça ponto de encontro dos adolescentes durante os dias úteis, com seus livros e cadernos e no fim de semana ponto de partida para o cinema ou para o bailinho. Em cidades pequenas, no interior, a pracinha tem um significado ainda maior.

Eu acho que, com raríssimas exceções, há nas lembranças de cada um, o lugar para uma praça, tenhamos morado numa pequena ou grande cidade.

Como sempre digo, o importante não é o lugar, mas o que acontece nele. Fatos ocorridos, por mais corriqueiros que possam ter sido, podem ter determinado o rumo de toda uma vida. Se pensarmos bem, nossa vida é conduzida por fatos ocasionalmente ocorridos. Um encontro, uma apresentação, uma visita, um incidente, uma descoberta...

Pequenos acontecimentos fazem parte da história de cada um de nós. E os locais onde eles ocorreram podem ser a chave para a lembrança e a compreensão de nossa própria história. Procure lembrar, principalmente das pracinhas que Você frequentou, ou pelas quais passou.

Eu tenho três pracinhas na lembrança. Elas fazem parte do meu caso de amor.

A primeira pracinha é hoje denominada de Praça Centenário da Vila Prudente. Ali ficava o Ginásio Estadual em que Ela estudara. Foi em maio de 1963, 3 meses depois de nós nos conhecermos num bailinho na casa de um amigo na Av. São João, e termos nos encontrado toda semana durante esses três meses, que num fim de tarde, já ao anoitecer, estávamos sentados num dos bancos de cimento dessa pracinha. Lado a lado, não mais do que mãos dadas. Era assim naquele tempo. Afeto, amor, respeito, vinham antes de qualquer desejo. Conversávamos, e conversávamos muito. Era a forma de nos conhecermos e nos encontrarmos. Em dado momento parece que o assunto fugiu. Então nos olhamos mais profundamente. Nossos rostos se aproximaram e, não na testa ou na face, ocorreu nosso primeiro beijo. O beijo foi nos lábios, dados por nossos corações. Nosso primeiro beijo! Delicado, suave, puro, um beijo não material. Selou nosso encontro ocorrido três meses antes e perpetuou nossa relação por mais de meio século.

Outras pracinhas houveram em nossas vidas. Uma delas, em São Caetano do Sul, onde ficávamos conversando num de seus bancos, nos sábados antes de irmos à matinê no Cine Vitória. Numa janela junto à calçada, de uma casa estavam sempre duas velhinhas nos observando e sorrindo para nós. E dizíamos: será que chegaremos à idade delas? Como estaremos? Juntos? Nunca trocamos nenhuma palavra com as duas velhinhas. Mas, por certo, conversamos muito através dos sorrisos.

Mas, a segunda praça da minha história foi a Praça Cornélia, na Água Branca, que fica na Rua Clélia - rua onde moravam meus avós paternos.

Até hoje nessa praça está a Igreja de São João Vianney. Uma Igreja pequena, mas linda. Toda branca, a fachada arredondada, inclusive com sua escada de acesso é em curva. Um exemplar autêntico do estilo barroco brasileiro. Foi lá que meus pais se casaram. Foi lá que fui batizado. Embora na infância tenha freqüentado igreja N.S. da Lapa, eu tinha especial carinho por essa Igreja, em razão dos comentários positivos do meu pai sobre o padre, cujo nome não consigo me lembrar. Só sei que era doce, calmo e transmitia bondade.

Pois bem, eu tive uma ideia e a executei. No Natal de 1966, disse à minha namorada que gostaria de assistir à Missa do Galo. Ela estranhou um pouco, mas concordou, embora não fosse mais católica praticante.

Após a ceia em minha casa, junto com minha família, Ela e eu fomos assistir à Missa do Galo na Igreja de São João Vianney. Contei a Ela que tinha sido batizado naquela igreja, por isso a escolhi.

Na nave arredondada do interior todo branco da igreja ficamos em pé e seguimos toda a liturgia que nós conhecíamos bem... as leituras, as palavras, a homilia...

A igreja estava lotada, o ar cheirava ao agradável incenso. Estávamos do lado direito da nave, de mãos dadas quando o coroinha tocou a campainha, o carrilhão de mão, anunciando o momento da Eucaristia. A Consagração.

Quando o Celebrante ergueu a hóstia eu tomei a mão direita Dela e, para sua surpresa, coloquei no seu dedo anelar uma aliança. Emoção. Estávamos noivos. Eu a consagrava.

Pensem o que quiserem, foi assim que eu quis fazer, foi assim que fiz.

A terceira praça da minha história tem um significado diferente. Fica próxima de onde moro hoje. Nessa praça, junto com meu neto plantamos uma árvore, quando eu lhe disse que aquela pequena muda iria crescer e ficar bem maior que ele. Nessa praça brinquei com meu neto e minha neta e os ensinei a subir em árvores e brincar de esconde-esconde atrás de plantas.

Mas essa praça - que não vou dizer o nome – depois de 51 anos daquele beijo de 1963, encerrei a parte terrena daquele amor.

Nessa praça, nessa última praça, junto com meus filhos e conforme o pedido Dela espalhei as suas cinzas.

O amor da minha vida agora são as folhas, os ramos, as flores... e saudade que não vai embora.

E as suas pracinhas? Tenho certeza que Você tem pelo menos uma na sua lembrança.


Revisão ortográfica: Leilaine Nogueira


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