Escrever o que, para quem?


Antes as palavras foram queimadas e rasgadas, hoje são compartilhadas.


Bruna Antonelli

13.10.2021

Escrever sobre o cotidiano e a vida enquanto possui beleza possui conflito porque de uma conversa pode surgir inquietações acabando em palavras em uma folha de caderno ou em uma página de documentos. O que foi o caso do título dessa primeira publicação. A escrita da estreia. A frase veio da Bernadete, uma das colaboradoras deste jornal quando em uma conversa colocava em palavras um pouco de como a escrita me toca desde minha adolescência, nos meus muitos cadernos que foram queimados ou as páginas rasgadas em muitos pedaços pequenos, impossíveis de serem juntados novamente caso quisesse reler. Fiquei me questionando se escreveria mesmo sobre isso, já de primeira escrever sobre algo que há tanto permanece comigo, mas sabe quando nada mais vem a cabeça e mesmo pensando em outros assuntos, nada me atravessava tanto quanto essa frase.

Sabe onde está a beleza de escrever sobre o cotidiano? Está justamente em não deixar além das palavras soltas, a vida solta. Tudo o que atravessa é sentido, digerido, pensado, questionado. E é aí que também mora o conflito e o cansaço. Às vezes é saudável não questionar tanto, mas considero um pouco impossível. É quase igual um viciado, desculpem-me a comparação, o viciado procura na droga um efeito de ecstasy e prazer, mesmo que momentâneo. Os escritores da vida cotidiana também: sentimos que tudo que nos é falado e vivido precisam ser postos em palavras, escrevemos para que a sensação prazerosa sobre o que foi pensado escoe para algum lugar e com isso procuramos mais e mais, sentimos que tudo que é atravessado em nosso corpo tanto físico quanto o corpo sentido é possível de ser escrito e inscrito.

Quando em minha adolescência queimei meus escritos foi justamente por sentir que eles nunca teriam espaço. Parei de escrever. Parei de sentir. É até um pouco forte escrever isso, mas é justamente a sensação que me atravessa. Quando escrevo, sinto. Quando escrevo, inscrevo nas páginas minhas angústias e com isso sei que pode ser que só eu leia o que foi escrito, mas que eu consegui externalizar minhas angústias para fora, além é claro da minha análise pessoal que é uma forma de inscrição das palavras e do meu corpo faladas pelo meu inconsciente que ali dentro ganham seus contornos e sentidos.

É um desafio gigantesco colocar em palavras quando outras pessoas poderão ler. Já apaguei, mudei o tema, reescrevi, modifiquei, tirei centenas de vezes cada palavra que vocês estão lendo. Dá medo mostrar o que nos habita internamente. Dá medo ver que algo atravessou os contornos impostos por nós mesmos.

Escrever o quê? Escrever e inscrever a vida no papel e a vida em sua maravilhosa e angustiante incógnita pode nos apresentar muitos sentimentos e vivências que precisam ser ditas/escritas. Escrever para quem? Aí é que está a graça de escrever. Escrevo primeiramente para mim e depois escrevo para qualquer sujeito que com minhas palavras se sinta acolhido ou atravessado. É um prazer estar aqui e até o próximo despertar.


Revisão ortográfica: Anne Preste


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