Ser mãe

por Malu de Alencar

08.05.2020

Para ser sincera, minhas primeiras lembranças de mãe eram de que Mãe só reprimia, só dava ordens, só mandava e era muito brava.

Apesar de tudo, adorava minha mãe, ela era uma mulher bonita, tinha os traços finos, o nariz perfeito e se vestia muito bem, sempre de tailleur e gostava de baton. Mas meu pai era muito mais legal, sempre me tirava de situações difíceis, principalmente quando ficava de castigo, ele chegava de mansinho e me dizia: vou te levar para voar...

E era voar de verdade, ele tinha um avião pequeno, e lá no ar me contava histórias, mostrava a natureza, a direção do vento, a pequenez de tudo que estava na terra: casas, ruas, pessoas. E dizia que a coisa que mais sentia saudades era de sua mãe.

E eu, na minha inocência, dizia pra ele que gostava mais dele do que de minha mãe, porque ela era muito brava, mandava em tudo.

Quando minha mãe me colocava de castigo (e eu vivia de castigo), esperava ansiosa meu pai chegar. Ficava horas sentada na porta de entrada ou no portão da casa esperando Vicente chegar.

E quando chegava eu dizia: minha mãe brigou comigo, estou de castigo!

O tempo passou.

Minha mãe foi uma mulher especial, extremamente inteligente, sagaz, crítica, irônica, tinha um humor bem diferenciado do de outras mães. Pena que não estudou como deveria, seus pais achavam que mulher tinha de casar e meu pai achava que mulher tinha de ser "do lar".

Fui entender o que era ser MÃE quando me tornei mãe. Totalmente diferente da história de vida de minha mãe, que gerou o primeiro filho aos 19 anos e eu, aos 35 anos. Uma grande diferença.

Não dá para entender como a natureza é tão perfeita, como um ser produz outro ser dentro de seu corpo?

Como a vida se produz?

Como o corpo se transforma para dar vida?

O peito passa a dar leite e é o único alimento que sua cria terá e isso basta para lhe dar vida.

Você não imagina que seu corpo voltará ao normal. E volta. A barriga enorme desaparece.

E esse pequeno ser que não fala, só se manifesta quando tem fome, dor ou está sujo, cresce e vira gente.

A ligação de uma mãe com seu filho não tem fim.

Só entendi minha mãe quando fui mãe, apesar de amá-la com toda paixão, mas ela era meu espelho, ela me dizia o que não estava bem em mim, o que não gostava e me dizia o que eu precisava ouvir.

Entendi quando meu pai me falava sobre a falta que sua mãe fez em sua vida, pois ficou órfão aos 13 anos e tudo mudou; daí ter saído muito jovem do sertão de Pernambuco rumo a São Paulo em busca de um novo caminho. Foi quando decidiu voar; tirou o brevê durante a II Guerra Mundial, e no seu sonho achava que uma hora encontraria sua mãe pelos ares infinitos do Universo e sempre me dizia: "Mãe é um porto seguro, é o único porto seguro em que você pode confiar".

Hoje sou avó, mas sinto uma falta enorme de Luiza, minha mãe.

Nesse momento de pandemia, de medo, de incertezas, eu queria ter o colo de Luiza, mas ela não está aqui, estou sozinha. E preciso ser forte para meus filhos, meus netos, meus sobrinhos, pois sou a única mãe que eles têm no momento.

O porto seguro que simplesmente aperta a mão, faz um carinho e diz: Te Amo!

Isso basta.


Revisão: Maitê Ribeiro