Saia justa

por Eugenia Pickina

10.06.2020

Um ciumento não tolera a liberdade. Rubem Alves

De repente estávamos os quatro à mesa. Na parede azul, um grande relógio estava marcando 2 horas exatas. Ajeitei o guardanapo, o tecido de pano áspero, tomei água. E, errática, me senti desconfortável com um desses menus que parecem feitos de imortalidade, porque o colega do marido insistiu no restaurante que, segundo ele, era um dos melhores da região.

O que falar a uma pessoa que você nunca viu? Pensa-se uma centena de coisas. Não, não se pensa. Aciona-se o estado de interlocutor simpático. Contar de si? É difícil extrair da própria história o suficiente para prender a atenção do outro, pois a maioria de nós está metida em interesses ora voláteis, ora sensivelmente arraigados e, além disso, existem as idiossincrasias... Mentir? Jamais, pois isso mataria todo proveito daquilo que poderíamos colher no instante da convivialidade.

“Quem está com fome agora?”

O colega do marido resolveu fazer os pedidos.

Sobre os pratos, não quis fazer objeções, porque, fora o marido, estava entre desconhecidos. Mas falar sobre o quê?

Elegantemente vestida, a mulher ao meu lado era ciumenta. "Quando entro no escritório do marido, passo os dedos pelas gavetas; investigo o equilíbrio das coisas", ela me disse.

Fiquei em silêncio. Para que retrucar alertando que o amor é também um ato de fé? É claro que qualquer relacionamento amoroso é feito de êxitos e desacertos. Assim, ela ficou perplexa quando lhe perguntei que provas tinha de que o marido a enganava. Respondeu – e impaciente – que não tinha provas, mas possuía uma “sensação”.

"É sobre uma mulher chamada Felicia, uma jovem que enfrenta o primeiro conflito de sua vida: partir sozinha para a Inglaterra em busca do namorado, pai do filho que carrega", eu expliquei.

Pondo a mão sobre a mão do marido, a mulher me interrompeu contando que se sentia atraída mais por filmes do que por livros, e sorriu dizendo que infelizmente não havia prestado atenção.

Comendo a sobremesa, pensei: "como é penoso o ciúme.” Impiedoso, é um estorvo no caminho da felicidade.

Na hora do café, pus-me triste como se sentisse um espinho em mim. E, encabulada, disse àquela senhora que não permitisse que o ciúme se tornasse um inquilino em seu coração por muito tempo. Especialmente sem provas robustas. "Despeje-o." Depois não me lembro mais o que ocorreu, mas acho que nada.

Notinhas

Que há pessoas fiéis e outras não, é um fato. O interessante é entender o que faz que um casal seja um casal: e isso "supõe tanto o amor como a duração. Supõe, portanto, a fidelidade", explica o filósofo André Comte-Sponville. Ademais, quando amamos alguém, somos inclinados naturalmente a sermos gentis e sinceros com o ser amado. No entanto, esquecemos, às vezes, que um comportamento inseguro pode causar danos à intimidade. Haemin Sunim acerta quando diz que "se algo se destina a florescer na forma de um relacionamento, costuma dar certo sem muita dificuldade". Mas, acrescenta: "se você é o único que está se esforçando, deixe o outro partir. Isso pode aliviar a pressão e motivar a outra pessoa a se esforçar também. Se não, ao menos vai abrir um novo caminho para você".

Quanto ao ciúme, não faz sentido se atormentar e atormentar. Se o ciúme surge do medo de perder alguém, procurar fortalecer a autoestima pode ajudar o ciumento ou a ciumenta a diluir o ciúme que nasce muito mais do medo (e/ou da fantasia) do que de uma circunstância concreta.

No texto, fragmento de A jornada de Felicia. Trevor, William. Tradução de Elisa Nazarian, Editora Globo (Coleção Biblioteca Azul), 2014.

Revisão: Maitê Ribeiro