Quem muda a si mesmo?

por Maitê Ribeiro

22.06.2020

"Você deve ser a mudança que você quer para o mundo". Antes de querer mudar o mundo, você deve mudar a si mesmo. Fazendo isso, as pessoas que estão ao seu redor perceberão a mudança e também mudarão. Por essa razão que o conhecimento mais importante é o autoconhecimento. A partir desse conhecimento, você começará a perceber quais são as premissas e os preconceitos que te guiaram em outras situações e que você deve trabalhar para corrigir. (Mahatma Gandhi)

Gandhi, um dos apóstolos da paz do século XX, e autor da frase acima, endossa a necessidade do autoconhecimento para obter a evolução e acrescenta o que já disse Sócrates (máxima válida até hoje): "Conhece-te a ti mesmo".

A vida é constante evolução. Como afirma o filósofo Heráclito, de Éfeso, o homem não mergulha duas vezes no mesmo rio. Nem o rio é o mesmo quando ele vai mergulhar no outro dia, nem o homem é o mesmo que mergulhou no dia anterior. Com isso ele quer dizer que tudo flui e tudo que existe manifesta a unidade da qual o homem faz parte. Segundo ele, as transformações são resultado da tensão entre os opostos, da ação e reação, conceito que se encontra em muitas abordagens como, por exemplo, na lei do karma e no símbolo taoísta ying/yang, ambos da filosofia oriental. Isso porque, ao longo do tempo, as águas do rio do conhecimento vêm rolando e recebendo mananciais de novas ideias, construindo, assim, o arcabouço da evolução do homem.

Vivemos num mundo de polaridades, dentre elas "essência & aparência" e atualmente mergulhamos mais na aparência, esquecendo-nos da essência. O mundo é uma vitrine fascinante, que nos atrai e nos faz pensar que se não consumimos o que ela exibe, não somos ninguém. É a armadilha da matéria que nos seduz e tenta nos convencer de que o mundo material é tudo. E muitos de nós, porque não têm sólida formação espiritual desde o berço, deixam-se levar pela inconsciência da matéria. Outros o fazem, ainda, por inércia, porque é o caminho mais fácil, é difícil olhar para si mesmo e mudar o seu próprio interior. Enfim, cada um está no seu estágio de evolução e cada um a seu tempo terá o próprio despertar. Ou não.

Desde que me entendo por gente (ou desentendo, muitas vezes, quem pode dizer que se conhece perfeitamente, o tempo todo?), procurei cultivar o aspecto da essência, por achar, desde cedo, que somos mais que uma máquina pensante ou desvairada. Sempre tive interesse por leituras, peças de teatro, filmes, que me trouxessem algo para refletir e com isso me fizessem entender a necessidade de mudar, assumir nova forma de ver o mundo.

Não estou dizendo isso porque não me interesso pela aparência, pela realidade exterior, ao contrário. Mas não aquela superficial, de fogo de artifício. Sou sensível às injustiças sociais, que nesses tempos nefastos têm se acirrado e me abalam a corrupção, os desmandos, a exploração do povo. Já fui sindicalista, militante política e social, participei de caminhada suprapartidária a Brasília pela Constituinte em 1988 – experiência que me marcou muito, entre outras coisas, por ver as pessoas aderirem ao movimento ao longo da estrada, como um rio engrossando suas águas, rumo à defesa da democracia. E o aparato militar que, a pretexto de nos proteger, não se furtava em ameaçar entre dentes que alguém do grupo poderia sumir. Tempos de medo, como agora e sempre, em todas as turbulências vividas por essa humanidade itinerante, ao longo dos séculos.

Ver o povo nas ruas em protesto pela democracia me fez lembrar o movimento Diretas Já. Lá estava eu, na praça da Sé, no meio do povo oprimido pela ditadura, uma experiência marcante pela força da resistência cidadã. Olhando para trás, percebo novamente o movimento flutuante das massas, feito um rio humano, ou uma “maré de povo”, expressão que ouvi de uma rádio na época, tal e qual acontece agora. Só que eu não sou a mesma pessoa inserida naquela multidão, e o cenário é bem diferente. Os protestos atuais exalam um paradoxo: o “verde e amarelo”, símbolo da nossa bandeira, usado por manifestantes antidemocráticos e saudosistas dos tempos da ditadura, e os verdadeiros democratas taxados de comunistas por essa mesma turma que se julga os únicos patriotas. Contudo, o rio da democracia é o mesmo, com águas ainda mais turvas e ameaçado por essa triste conjuntura, misto de insanidade e ignorância.

Impossível não me decepcionar com esse estado de coisas, mas constato a legitimidade da parte consciente dessa onda e desejo sinceramente que minha filha e os jovens de hoje lutem para viver em um mundo mais justo, com mais igualdade social e prosperidade.

É claro que isso não se dará como num passe de mágica, mas deve ser fruto de uma mudança interior, de uma busca do equilíbrio entre o que está fora e o que está dentro. Muitos sábios já disseram que o que está fora é reflexo do que está dentro, mas eu, do raso da minha pouca sabedoria, digo que ambos estão interligados, numa relação dialética, e cabe a nós sabermos quando se deve puxar as rédeas de fora para conter os cavalos desembestados da insanidade social e quando soltar as amarras do nosso rico mundo interior para apaziguar primeiro a si mesmo e, como as águas silenciosas de um rio sereno ou de uma corrente caudalosa e enérgica (porque algumas vezes precisamos de um tranco), harmonizar a nossa casa, depois o quarteirão, o bairro e quem sabe a cidade, o estado, o país e o mundo.

Sei que esse nobre intento nem as almas da magnitude de Francisco de Assis, Gandhi, Luther King e alguns dos nossos maiores exemplos, como Tiradentes, Chico Mendes, Betinho, Irmã Dulce e D. Luciano Mendes de Almeida (com quem convivi por algum tempo, na Pastoral do Menor, e muito admiro e respeito), entre outros, conseguiram alcançar de forma perene, mas sem dúvida lançaram uma semente que ao longo dos anos irá vingar. Deixo claro que não estou colocando essas pessoas no mesmo patamar, há nuances espirituais óbvias, mas todas tiveram expressiva atuação no nosso mundo e principalmente brandiram a bandeira da paz, da justiça social e contra a espoliação do povo, nutrindo grande amor pelo ser humano. E servirão sempre de guias para os momentos conturbados da nossa vida, nos quais devemos buscar sim as melhorias sociais, mas, sobretudo, refletir sobre o significado maior da existência porque ambos os aspectos devem conviver em harmonia para garantirmos a paz verdadeira.

Como diz Francisco, o de Assis

Com todo o amor da sua voz:

Paz e Bem a todos nós!