O Sol e os poetas

por Eugenia Pickina

26.05.2020

A arte de viver é simplesmente a arte de conviver... Simplesmente, disse eu? Mas como é difícil!” (Mario Quintana)

Uma amiga me disse que estava tensa, agitada, queixou-se do dia difícil, das aflições mundanas. Nervosa, sem dar atenção ao cansaço, trazia na fala raiva e desconfiança. Dei a ela um livro do Mario Quintana. Quem lê o velhinho sorridente (no mínimo) se põe criança outra vez, abrigando razão suficiente para caminhar sem motivo pela cidade entre o almoço e o jantar.

A poesia é restauradora. Põe em xeque os nossos sentidos precários, nossas convicções enfadonhas, nossa razão falível, e, por isso, não por acaso, traz à tona, entre o vivido e o lembrado, a leveza do riso – e há quanto tempo mal valorizado?

Quando leio T.S. Eliot me vejo, muitas vezes, em um agradável campo de esperança: “o fim é o lugar de onde começamos”.

Nosso olhar precisa ser vidente, apesar das horas mornas ou de uma noite sem estrelas. Aí eu leio Mario Quintana: “Respira, tu que estás numa cela abafada, esse ar que entra por ela”. Para encarar o difícil? Respira, avisa Quintana, o artesão das coisas simples, pois quando isso acontecer, a mente vai se renovar naturalmente.

Dia desses, essa amiga me contou, e admirada, que tinha lido o livro do Quintana e queria mais, pois lê-lo ajudou-a a entender o tom de seus bloqueios, o ataque de impaciência, a chegada da melancolia, mas também sua condição de passarinho: “Todos esses que aí estão atravancando o meu caminho, eles passarão… Eu passarinho”.

Ler grandes poetas exige que façamos meditações que nos vergam e nos acuram, revelando-nos nossas precariedades e também nossas funduras, o coração claramente em contato com tudo o que é essencial dentro de nós e ao nosso redor…

Minha amiga perguntou: “será que ler poesia é um truque para nos livrarmos das sombras que nos perseguem?”

A poesia tem um poder mágico: a mais fácil ou difícil das pessoas, quando se desenraiza ou se entristece, tem T.S. Eliot ou Mario Quintana ou Cecília Meireles para expressar sua dor e seus sentimentos por ela. E isso cura, libera para um bem viver, pois no final é isso que importa…

Saudações carinhosas

Notinhas

Respirar fundo, cumprir nossas promessas, viver mais um dia com atenção... Por mais banal que possa parecer, é isso que nos faz entender que a felicidade pode ser encontrada naquilo que não tem nada de extraordinário: uma boa xícara de café, um almoço singelo, um bom livro, o andar contemplativo na rua… Na tradição Zen nos é dito que é fonte de resiliência sentir gratidão por todos os dias, mesmo os mais rotineiros.

Às vezes precisamos da imaginação de um poeta. Nos encontros terapêuticos, digo e repito para muita gente: “leia bons autores, grandes poetas”. Em termos simples, quem cultiva o hábito de ler poesia, por exemplo, ganha leveza e se percebe mais criativo, mais inspirado – e isso naturalmente facilita a tomada de decisões cotidianas e/ou avanços no caminho.


Revisão: Maitê Ribeiro