O velho Geraldo

por Galismarte

26.11.2019

Seu Geraldo tinha pouco serviço a fazer. Ficava circulando pela repartição. Batia papo com todos sobre tudo. Bajulava as secretarias com galanteios e era o único que almoçava em casa.

Aos sábados sentia falta da turma de jovens e ficava marcando programas culinários: churrascarias de rodízio eram as suas preferidas.

Quando as eleições se aproximavam, tudo parava a espera dos novos chefes que sempre diziam que tudo estava errado e que mudanças viriam.

No meio de uma plêiade de rapazes, o velho Geraldo fingindo despreocupação já alardeava: “venha quem vier é meu amigo”.

O ócio pode ser bom ou mau, mas na repartição com a testosterona em ebulição a turma aprontava pra cima do velho.

Começavam com gozações sobre a virilidade do Geraldinho, depois atacavam com, digamos, brincadeiras um pouco mais pesadas.

Compravam coleções de livros em nome do velho e quando vinham entregar no escritório, o velho sempre ficava na dúvida se tinha mesmo comprado e esquecido.

Descobriram os números, que eram sempre os mesmos, que ele arriscava na loteria e fingiam ouvir no rádio o resultado que, antes de matar Geraldinho do coração, a turma não aguentava e caia na risada.

Um dia alguém apareceu com um rádio comunicador portátil e disfarçadamente colocaram o aparelho dentro da mapoteca que ficava bem ao lado da mesa do velho.

Um deles foi ao banheiro e de lá, com uma voz gutural, começava a chamar: Seu Geraldooo, Seu Geraldooo... Vindo da gaveta o som parecia estar vindo mesmo de outra dimensão.

O velho se assustou e começou a perguntar prá todo mundo se estavam ouvindo alguém chamar o nome dele. Os caras, lógico, negavam e ficavam dizendo que talvez fosse um chamado do além e que a hora dele estava chegando.

Novos chefes enfim chegaram e tudo ocorreu como previsto. O tempo passou, o velho se aposentou e boa parte da turma se dispersou.

Um dia, claro, o velho Geraldo morreu. Alguns da turma, justamente os mais “malvados” ou que mais exageravam nas “brincadeiras”, não se sabe como, ficaram sabendo e foram ao velório.

Consolaram a viúva e um deles até deu um abraço um pouco mais demorado na filha do velho e depois ficaram ali num canto, segurando as risadas, lembrando daqueles tempos de malvadeza.

Pararam no bar da esquina e, em silêncio, fizeram um brinde em homenagem ao defunto. Alguém jurou que viu lágrimas furtivas escorrendo pelos rostos barbados, mas todo mundo negou e foram embora cabisbaixos, com um sentimento inexplicável de vazio.