Muro de Berlim

por Malu de Alencar

13.11.2019

"Em junho de 1974 atravessei a Alemanha Oriental de carro."

Saimos de Munique com destino à Berlim Ocidental, uma ilha dentro da RDA (República Democrática Alemã) dominada pela Russia, na fronteira entre as duas Alemanhas, foi muito estressante, eu não tinha autorização para entrar na Alemanha Oriental, mas graças ao passaporte brasileiro, e por "bondade" do guarda fui liberada.

Nessa espera de ser liberada ou não, pensei como era difícil viver num país dividido por ideologias tão diferentes.

Afinal o que era LIBERDADE? DEMOCRACIA?

Até hoje me lembro da sensação que tomou conta de mim no trajeto que atravessamos a RDA, Alemanha Oriental, as estradas cercadas com arame farpado, as casas cinzas, volta e meia uma guarita com guardas armados com fuzil, não conseguia falar, estava muda, ninguém falava no carro.

Como um povo podia viver livre, alegre e o outro parecia que estava num mundo cinzento, sem cor...

Chegamos em Berlim Ocidental, uma cidade linda, plana.... largas avenidas cheias de praças, colorida!

A primeira noite dormimos numa casa antiga, nas paredes ainda se via os sinais de balas de canhão, a proprietária nos disse que não queria tirar as marcas de balas, para não se esquecer da guerra.

Foi em Berlim Ocidental que conheci uma atriz que tinha como referencia o nordeste de meu pai: Vanja Orico, atriz de vários filmes sobre Lampião, ela sempre como Maria Bonita. Falamos pouco, eu não conseguia perguntar ou travar um dialogo:

- Como veio para Alemanha? O que te fez abandonar o nosso país?

Estava encantada, encantada no verdadeiro sentido da palavra, ela era minha musa de criança!

Também reencontrei Irenio Maia, um dos sócios de Cyro Del Nero no Estúdio 13, uma empresa que foi uma referencia de criatividade, responsável por vários stands do Brasil em feiras mundiais, uma delas no Japão nos idos da década de 70.

Irenio Maia dirigia um teatro em Berlim Oriental e sua esposa era chefe de cozinha num restaurante na Berlim Ocidental, um dos pratos mais procurados do cardápio, a nossa feijoada acompanhada da famosa caipirinha!

Não me lembro como consegui participar de uma excursão de jornalistas sul americanos para um tour em Berlim Oriental.

Não era jornalista. Foi inesquecível.

Atravessamos o Muro de Berlim, e a guia descrevia os monumentos colocados nas praças, hoje não me lembro mais de quem eram as figuras...

Nas largas avenidas, os poucos carros que rodavam pela cidade eram muito antigos.

Apesar de ser primavera, fazia frio, as mulheres com casacos que pareciam ser pesados, talvez pela cor cinza forte, lenços cobrindo a cabeça, sacolas enormes nas mãos.

Vanja Orico caracterizada de cangaceira

Parecia que estávamos numa cidade medieval, outro cenário, totalmente diferente da alegre Berlim Ocidental.

Não conseguíamos falar, ou comentar.... a volta para Berlim Ocidental foi silenciosa, não víamos a hora de pisar no solo amigo.

Uma tarde fiz um passeio de barco num dos lagos da cidade, Berlim tem muitos lagos, me assustei quando vi uma enorme cerca de arame farpado cortando as águas e, novamente guaritas espaçadas com guardas sisudos armados com fuzis, a impressão que dava era que a qualquer momento poderiam acionar o gatilho.

Não conseguia olhar, tinha medo que atirassem, não via a hora de voltar para o píer de onde saímos.

(Lago Teufelssee, tb conhecido como Lago do Diabo pelas cores escuras)

Foi em Berlim Ocidental que aprendi que a arte, a música deveriam ser livres, ir para as ruas e praças, para as igrejas...

Hoje, 9 de novembro de 2019, faz 30 anos que o Muro de Berlim caiu....

Que a liberdade e a democracia sejam sempre a bandeira de todos os países, de todos os governos.

Nunca mais voltei para Berlim, mas ainda tenho saudades das largas avenidas, dos cafés com mesas nas calçadas, das pessoas que conheci, de Leo um italiano, estudante de musica, que por anos mantivemos correspondência, pois queria conhecer o Brasil

Nunca mais soube de Irenio Maia, de Vanja Orico, se voltaram para o Brasil ou não.

Hoje, ao ver as fotos do Muro de Berlim, me lembro de quantas vezes andei sob sua sombra imaginando se do outro lado, também teriam pessoas caminhando como eu.

Observações:

  • Foi em Campos do Jordão que consegui realizar meu sonho de promover arte e música nas ruas e praças e dai nasceu o projeto Outono & Arte, uma homenagem aos artistas berlinenses que conheci em 1974.

  • Alemanha Oriental: RDA - Republica Democrática Alemã

  • Alemanha Ocidental: RFA - República Federal da Alemanha