Lembranças de meu pai

por Malu de Alencar

11.08.2019

(Criador Lucky TDCrédito Getty Images/iStockphoto)

Hoje bateu saudades do velho Capitão do Ar...

Era assim que era chamado por alguns amigos.

Meu pai sabia voar...

Desde pequena, tenho lembranças de que ele era o único pai que sabia voar, achava estranho que os pais não voassem.

Meu pai era um gigante para mim, quando queria alguma coisa, me agarrava em suas pernas e ficava suplicando que atendesse meus pedidos, olhava para cima e sentia que ele era enorme... mas era de estatura mediana.

Vicente desde criança, no sertão de Pernambuco olhava para o céu e via pássaros voando, tirando rasantes, fazendo marabalismos e ele pensava "um dia vou voar como um pássaro".

Foi esse um dos motivos de ter vindo para a grande metrópole, realizar seu sonho.

Tirou o brevê e comprou um avião, um Paulistinha.

Foi nesse pequeno avião que eu aprendi a sonhar.

Nas tardes quentes do interior paulista, quando saia do escritório, lá vinha o Vicente saber quem queria dar umas voltas... e eu era a primeira a gritar: "Eu quero"

Minha irmã raramente aceitava o convite, principalmente depois de um rasante que Vicente deu em cima de casa e ela achou que o avião ia cair no quintal....

Meu irmão preferia brincar com os carrinhos de "roleimã", ou ficar com seus pequenos aviões fazendo manobras jogando de cima das arvores lá no fundo do terreno.

E lá ia eu para o campo de aviação, ansiosa por voar. Sentada no banco traseiro, amarrada pelo cinto de segurança, abria a janelinha e ficava aguardando o ronco do motor... dava um frio na barriga quando sentia que o pequeno avião estava levantando voo e sentia o vento batendo nos meus cabelos fazendo esvoaçar como se fossem folhas.

Ia subindo, subindo, subindo até uma altura que olhando lá de cima tudo parecia minúsculo.

E Vicente olhava para trás e me dizia:

"Olha aquelas casinhas lá embaixo, é Lucélia... ali na frente é Adamantina..."

"Olha o Rio Feio... parece um riacho"

E de repente fazia umas manobras e vinha que nem um parafuso, descendo, descendo e quase perto do chão levantava o avião para plainar tranquilo pelo ar.

Como esquecer? Foi lá de cima que aprendi que a natureza comanda as quatro estações do ano: primavera, verão, outono e inverno... e cada uma tem uma função, a de prover as necessidades e o equilíbrio da fauna, da flora e de todos os seres vivos do planeta Terra.

Bateu saudades...

Tanto tempo depois, ainda tenho a sensação que as vezes sou uma criança, agarrando as pernas de meu pai e pedindo para que me leve para voar...