Invencionices

por Eugenia Pickina

02.09.2019

Eu estava exaurida. Queria parar de pensar. Para parar de pensar, o ideal é desacelerar, inventar um trabalho manual. Mas não queria assar bolo. Enchi a xícara de chá e fui para a varanda espiar minhas orquídeas. Nem bem me pus a observar as plantas, fui interrompida com a chegada da faxineira.

Com ela, sua filhinha de oito anos, Maria Rita. Rostinho redondo, cabelo preso num rabo de cavalo alto, quis ficar comigo.

“O que você está fazendo?”, ela perguntou. “Não quero escrever agora, quero fazer outra coisa, mas ainda não sei o quê…”, respondi. “Quando a minha avó está chateada com as tarefas de casa, ela costura.”

Olhei surpresa para Maria Rita. Lembrei da minha avó na sua casa na fazenda, a máquina de costura pretinha, o pano macio cheio de bolinhas. “E sua avó costura o quê?”, perguntei. “Colcha de retalhos”, ela respondeu.

Assim se iniciou uma das experiências de aprendizagem mais significativas que tive na vida. Fui atrás de uma professora de costura, dona Flordiniz, quem me guiou de maneira amorosa e paciente rumo a um mundo desconhecido. “Qual tecido devo usar?” ”Como põe a linha na máquina?” “Como faz uma costura retinha?” “O que é pé calcador?” “O que é refilar?” “Tem que costurar na mão também?”

O melhor antídoto contra o cansaço ou o estresse é arriscar um caminho não testado. Pois estar vivo implica evoluir, dedicar-se, portanto, a coisas novas. Com isso integramos talentos, conquistamos habilidades, entregando-nos, e com curiosidade, ao momento presente.

Aí a Maria Rita sumiu. Não apareceu em casa por três meses: febres, escola, tarefas, provas, viagem para a cidade do pai.

Em uma quarta-feira, dei de cara com a Maria Rita na varanda. “A orquídea branca floresceu”. E acrescentou: “Sabe aqueles cactos, todos de tamanho parecido? Estão feios e tristes.” Retruquei: “O sol não alcança a estante daquele quarto no inverno”. Ela saiu e depois voltou: “Já levei os cactos para a lavanderia. Usei um tapete para forrar a mesinha ao lado da máquina. Agora os cactos vão ficar felizes com o sol e o tapete fofo de retalhos.”

Fiquei feliz de contar à Maria Rita o meu novo serviço criativo: costurar tapetes, almofadas, toalhas de mesa. E emendei: “farei em breve uma saia para você….”

As coisas são fascinantes, desde que saibamos nos desapegar do que a rotina nos obriga. Fazer pausas que nos fazem lembrar de como tudo é transitório. Tomados pelo espanto, ao nos tirar das listas de afazeres e sobrecargas de trabalho, nos abrimos à magnificência da vida, pondo-nos maleáveis ao que não sabemos, sem estabelecer, por conta disso, objetivos elevados demais, independentemente dos erros e acertos que se seguirão. E isso nos inspirará a seguir em frente.

Notas de viagem, Eugênia Pickina


Notinha

O ambiente doméstico pode servir para regenerar uma mente cansada e revitalizar o coração. Ainda que tenha muitos afazeres e compromissos de trabalho, procure arrumar um tempo na sua semana para experimentar algo novo ou mesmo para fazer uma pausa comprida e refletir sobre suas necessidades, pois isso o ajudará a tomar consciência do que realmente importa, definindo prioridades de forma tranquila e inteligente.