Governo nega acesso a relatório que regulamenta avaliação de pessoas com deficiência


Entidades pressionam a divulgação do documento que sofreu alterações por pressões internas do governo


Heloisa Araujo

12.11.2021

Propostas podem causar prejuízo na manutenção de direitos de pessoas com deficiência, por ignorar estudos científicos | Foto: Valter Campanato/ Arquivo Agência Brasil

O Grupo de Trabalho Interinstitucional (GTI) da Avaliação Biopsicossocial da Deficiência teve suas reuniões encerradas em meados de setembro, mas o relatório desses debates ainda não foi divulgado.

O grupo foi criado pelo decreto n° 10.415 em julho de 2020, para formular propostas para normatizar o art. 2° da Lei n°13.146 de julho de 2015, de Inclusão da Pessoa Com Deficiência. O artigo define os instrumentos que irão compor o modelo único de avaliação de deficiência em âmbito nacional. Com dados do ano de 2019, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) estima que mais de 17 milhões de pessoas com deficiência que vivem no Brasil serão afetadas.

O relatório final foi encaminhado à Ministra de Estado da Mulher, Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, com as propostas do grupo, como determina o decreto.

Entretanto, segundo informações do blog Vencer Limites, nem mesmo os integrantes do GTI tiveram acesso ao relatório final.

Durantes os encontros, a Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down (FBASD) e a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência e Idosos (AMPID) saíram do GTI por não concordar com o caminho que estava sendo percorrido pelo grupo.

O CONADE (Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência), que havia aprovado uma versão do instrumento de avaliação de deficiência, também deixou o grupo no início de 2021. Há informações, segundo o Yahoo! Notícias, de que esse instrumento foi desmembrado no relatório final, devido a pressões de dentro do governo.

A regulamentação da lei é necessária e deveria ter acontecido em meados de 2018. Quando publicada, será utilizada como critério para conceder o acesso a direitos como reserva de vagas no mercado de trabalho e serviços especializados em habilitação e reabilitação.

Questionada pelo blog Vencer Limites, o Ministério da Mulher, Família e dos Direitos Humanos respondeu em nota que o relatório só será disponibilizado após a aprovação do decreto presidencial.

Dra. Maria Aparecida Gugel e Ana Cláudia Mendes Figueiredo, respectivamente, vice-presidentes da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência e Idosos (AMPID) e da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down (FBASD) | Foto:Divulgação/ AMPID

A advogada Ana Cláudia Mendes de Figueiredo, que fundou a Rede-In — Rede Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência — disse em entrevista ao Estadão que o estudo conduzido pelo Ministério da Economia e pela Universidade de Marília (Unamar) foi objeto de críticas de especialistas e de organizações de Pessoas com Deficiência, pois cria obstáculos ao envolvimento político dessa população na sociedade.

“O princípio da plena e efetiva participação e inclusão das pessoas com deficiência na sociedade não tem nenhum valor para o governo e a dignidade de tais seres humanos é apenas um ideal que pode ser facilmente esvaziado e superado por interesses que não os dessas pessoas”, disse a advogada.

A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência foi aprovada pelo Congresso Nacional em 2009 e é um forte instrumento de proteção aos direitos e à dignidade de pessoas com deficiência na nossa Constituição. É com base nessa convenção que a participação de entidades ou lideranças dessa população é assegurada.

“Sem a participação efetiva das pessoas com deficiência e suas entidades, essa regulamentação tem inconstitucionalidade formal. E isso preocupa demais as pessoas com deficiência”, afirma Emerson Damasceno, advogado e membro da comissão nacional da pessoa com deficiência do Conselho Federal da OAB, em entrevista ao Yahoo! Notícias.


Revisão ortográfica: Anne Preste


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