Primeiro Lugar: Gargalo Vasco (Portugal)
Sinceramente, eu não lembro quantos anos eu tinha naquela manhã, só lembro que eu tinha acabado de aprender sobre o “fim” da escravidão no Brasil na escola. Era um fim de semana como qualquer outro, quando, de repente, uma chamada apareceu no telejornal: um grupo de imigrantes da Ásia estava sendo obrigado a viver em condições análogas à escravidão em uma indústria de São Paulo. Para uma criança como eu era na época, foi um grande choque. Como assim? Eu acabei de estudar que a escravidão no Brasil acabou há mais de 100 (cem) anos, como poderiam existir pessoas que viveriam nas mesmas condições que os escravos em pleno século XXI? Elas, infelizmente, não só existiam na época, como ainda existem, cerca de 15 (quinze) anos depois.
Para quem pensa que a escravidão não passa de uma memória longínqua e nefasta, eu tenho uma triste notícia: segundo a última estimativa da Organização Internacional do Trabalho, ainda existem 25 (vinte e cinco) milhões de pessoas trabalhando em condições que se assemelham à escravidão, sejam aquelas que trabalham em servidão para pagar suas dívidas ou que realizam trabalhos forçados. Como se não bastasse esta triste estatística, é evidente que combater a chamada “escravidão moderna” está longe de ser uma das prioridades globais no momento, tema que os próprios meios de comunicação parecem não dar tanta atenção. Casos da China e Estados Unidos, por exemplo, que, mesmo representando sistemas supostamente antagônicos, fecham os olhos para inúmeras questões laborais em prol de um “desenvolvimento”. É importante a constatação de que escravidão ainda assola todos os continentes, independentemente das condições socioeconômicas.
Na contramão, a Organização Internacional do Trabalho realiza uma série de campanhas e apoia iniciativas que conscientizam acerca da existência do trabalho forçado ao redor do mundo, trabalhando maneiras de preveni-lo e garantindo apoio às vítimas. É o caso da “50 for Freedom”, proposta que, inicialmente, buscava reunir pelo menos 50 (cinquenta) países na luta contra a escravidão moderna, meta que foi atingida neste ano. Hoje, cerca de meia década depois do início da campanha, são 54 (cinquenta e quatro) os países que efetivamente se comprometeram e ratificaram os termos do Protocolo sobre Trabalho Forçado da OIT (n.º 29), número do qual o Brasil não faz parte.
Para além de ações meramente políticas, o projeto usa da interdisciplinaridade para conscientizar o mundo sobre a escravidão e seus efeitos. Exemplo disto foi a realização de um concurso de desenhos cuja pergunta temática era justamente “e se seu lápis fosse uma ferramenta contra o trabalho forçado?”, que usa da sensibilidade artística para demonstrar duras e sofridas realidades.
Demonstrando a atualidade do tema, 200 (duzentos) cartunistas de 65 (sessenta e cinco) países submeteram seus trabalhos à votação do júri, totalizando o impressionante número de 460 (quatrocentos e sessenta) desenhos inscritos. Abordando multifacetadamente a discussão, foram escolhidos dois desenhos pelo júri, um por votação popular e outro pela “Cartooning for Peace”, fundação que apoia a iniciativa.
Segundo lugar: Javad Takjoo (Irã)
Escolha do público: Kaan Saatci (Turquia)
Escolha da “Cartooning For Peace”: Eshonkulov Makhmudjon (Uzbequistão)
Os resultados foram divulgados no dia 30/07/2021, Dia Mundial contra o Tráfico de Pessoas e podem ser conferidos na íntegra no site da “50 for Freedom”. A organização do evento ainda promete uma exposição itinerante das obras selecionadas e a divulgação online dos 40 (quarenta) melhores desenhos.
Nas palavras da própria equipe da campanha, “para além da competição, estes belos e poderosos desenhos contribuirão para iluminar as realidades invisíveis e complexas do trabalho forçado [...]”. Que estas “preces” sejam ouvidas e que a arte, tão negligenciada em tempos de pandemia, possa trazer a atenção do mundo para a escravidão moderna.
Revisão ortográfica: Anne Preste