Relatório do Conselho Nacional de Saúde denuncia série de violações aos direitos humanos por parte do Governo Federal na pandemia

Para entidades, esta é a maior tragédia humanitária da história brasileira desde a escravização do povo negro


Heloisa Araujo

03.12.2021

O Governo Federal não formulou políticas públicas adequadas e ignorou as reivindicações de grupos em vulnerabilidade social, como povos indígenas e quilombolas. Foto: Conectas Direitos Humanos/ Reprodução

O relatório “Denúncia de Violações dos Direitos à Vida e à Saúde no contexto da pandemia da Covid-19 no Brasil” acolhido pelo Conselho Nacional de Saúde e pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) foi publicado durante o mês de novembro e faz graves denúncias a atuação do Governo Federal durante a pandemia.

O documento foi elaborado durante o último ano por entidades e conselhos que tratam sobre os temas de saúde e direitos humanos no país e também foi encaminhado aos poderes Judiciário e Legislativo em outubro de 2021.

Dentre os principais direitos afetados pela má condução de políticas públicas durante o período pandêmico, a principal foi o direito à vida.

Segundo o relatório, esse direito “articula todas as outras e refere-se ao não cumprimento do estabelecido no artigo 6º do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos”. O artigo reafirma o direito inerente à vida como direito fundamental a todos, pré-requisito para que outros direitos possam ser garantidos.

“Gripezinha”

O documento enumerou dez momentos em que, durante os anos de 2020 e 2021, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) “manifestou-se publicamente desprezando o valor da vida, naturalizando as mortes em decorrência da virose”.

Em falas do presidente brasileiro como “Muitas [pessoas que morreram] tinham alguma comorbidade, então a Covid-19 apenas encurtou a vida delas por alguns dias ou algumas semanas”; dita em setembro deste ano, o documento destacou o desrespeito e a falta de empatia com os mortos e seus parentes afetados pelo vírus, que a essa altura já passavam de mais de 590 mil pessoas.

Povos indígenas e quilombolas

O documento destaca a influência da postura de Bolsonaro, desde a campanha eleitoral de 2018, com o aumento de conflitos no campo e índices de discriminação. Segundo o entendimento do relatório, o presidente violou o princípio de não distinção/discriminação, presente no artigo 3° da Constituição Federal, ao não formular políticas públicas adequadas e ignorar as reivindicações de grupos em vulnerabilidade social, como povos indígenas e quilombolas.

População negra, mulheres e pessoas LGBTQ+

O Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgou em abril de 2020 que houve um aumento de 431% dos relatos de violência doméstica no país, em pouco mais de dois meses de isolamento social. O ambiente doméstico é o local em que pessoas LGTQ+ mais veem seus direitos serem violados.

De acordo com o documento do CNS, um país que não protege grupos sociais vulneráveis, e que incentiva o descumprimento de medidas sanitárias em período pandêmico, precariza a vida daqueles que são mais atingidos pela desigualdade social: no Brasil, as populações negras, pobres e periféricas.

“As questões sociais influenciam diretamente nos riscos de contágio e na possibilidade de cuidados com a doença – é a população negra que está no trabalho informal, enfrentando, com isso, a impossibilidade de se manter em isolamento social, precisando trabalhar para garantir o sustento de suas famílias. A pobreza, a violência, a falta de saneamento básico também são fatores que contribuem para esses riscos, vulnerabilizando, ainda mais, as condições de vida dessa população”, diz o relatório.

No Brasil, as populações negras, pobres e periféricas foram as mais atingidas pela má atuação do Poder Público | Foto: Antonio Lacerda/EFE

Em suas conclusões, o relatório chamou o período pandêmico no Brasil de “maior tragédia humanitária da história brasileira desde a escravização do povo negro”.

“O não cumprimento das obrigações de respeitar, proteger e garantir os direitos humanos à vida e à saúde resultou na imagem mais chocante da pandemia: as valas escavadas mecanicamente em cemitérios. Essa imagem é a concretização do discurso do governo de Jair Bolsonaro. Por falta de adoção de uma política adequada no combate à pandemia da Covid-19, que resultou, até o dia 8 de outubro de 2021, em seiscentas mil (600.000) mortes, o mundo testemunhou a brutalidade de um enterro massivo, mediado por uma escavadeira, a que esses corpos foram submetidos”, encerra o documento.

Confira o relatório na íntegra aqui.


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