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A Lei Geral de Proteção de Dados e a Liberdade de Imprensa

A importância da proteção de dados pessoais e as garantias constitucionais no Brasil. A LGPD (Lei n. 13.709, de 14 de agosto de 2018) foi instituída pelo então presidente da República, Michel Temer, e entrou em vigor a partir de 21 de setembro de 2020.


Myrian Becker05.05.2021

Esta lei representa um marco histórico na regulamentação de dados pessoais no Brasil, tanto nos meios físicos quanto em plataformas digitais, além de modificar a forma como instituições privadas coletam, armazenam e disponibilizam informações de usuários, e deve ser seguida também pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

A liberdade de imprensa e a proteção de dados devem ser analisadas à luz da legislação em vigor, bem como da razoabilidade e do sensatez.

Sabemos que a atividade jornalística é essencial à democracia. Porém, a proteção de dados e informações pessoais também são garantidos pela Constituição.

Dessa forma, nos deparamos com um impasse complexo, haja vista que ambas as situações têm forte amparo legal.

Considerando-se a expansão da globalização, do desenvolvimento da tecnologia e do império das big techs, a notícia ficou mais acessível, mas a qualidade da informação ficou comprometida, o que deu vida a uma verdadeira pandemia de fake news. Além disso, dados pessoais têm circulado livremente na internet e, não raras vezes, a sua exposição é confundida com liberdade de expressão.

A que a liberdade de expressão, que é a ferramenta principal da atividade jornalística, que deve sempre ser pautada no interesse público.

O que pode ser classificado como interesse público?

O princípio da supremacia do interesse público, citado no Direito Administrativo, é um princípio implícito, decorrente das instituições adotadas no Brasil. Com efeito, presume-se que toda atuação do Estado seja pautada pelo interesse público.

Entretanto, a expressão “interesse público” é um tanto quanto abstrata e, muitas vezes, não reflete objetivamente a finalidade de determinadas decisões ou ações administrativas. (se em prol da coletividade ou por mera conveniência política).

A noção jurídica de interesse público abrange a satisfação das necessidades da população, da coletividade. Mas vale lembrar: essa satisfação só poderá integrar o conceito de interesse público se estiver relacionada a algum direito fundamental previsto na Constituição Federal. Por outro lado, muitas vezes, o interesse público é utilizado no jornalismo como justificativa moral para sustentar escolhas e rebater críticas. O próprio Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, em seu artigo 2.º, dispõe que "a produção e a divulgação da informação devem se pautar pela veracidade dos fatos e ter por finalidade o interesse público".

Para a coordenadora e professora do bacharelado de Jornalismo da Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo (ESPM), Maria Elisabete Antonioli, em entrevista para o Portal Imprensa, "o interesse público e a liberdade de imprensa são condições inerentes para a afirmação de regimes democráticos. O jornalismo, para seu desenvolvimento absoluto, necessita ser livre e independente, e para isso ocorrer é necessário ser praticado em uma cultura democrática, pois a informação não pode ser versão nem do estado, nem da iniciativa privada ou de outros organismos".

Liberdade de imprensa versus direito à privacidade

De um lado estão os profissionais da imprensa e, de outro, estão os direitos à privacidade, à honra e o direito de imagem. Com o advento da Lei Geral de Proteção de Dados, a "liberação" da atividade jornalística esbarrou mais uma vez nesses direitos fundamentais e vice-versa, tornando frequente a colisão dessas normas, já que elas defendem interesses concomitantes.

Diante disso, é de suma importância a utilização de critérios de proporcionalidade para resolver conflitos entre esses direitos, o que não é uma tarefa fácil, para não ferir a Constituição, lembrando que as normas constitucionais não possuem hierarquia entre si.

A democracia contempla a liberdade de expressão e de opinião, da mesma forma como o direito à informação

Nesse contexto, com o passar dos anos, a imprensa adquiriu cada vez mais liberdade, o que não significa que tenha um poder ilimitado, principalmente quando fere alguns dos direitos fundamentais do ser humano, como a liberdade, a honra, a imagem e a privacidade, embora o direito à informação e a livre manifestação de pensamento estejam entre os pilares mais importantes do Estado democrático de Direito.

A liberdade de publicar prevalece quando se trata de fatos de interesse público, quando são relacionadas à atividade política e partidária, ou quando são sobre a vida social de artistas. Fora essas hipóteses, devem prevalecer a privacidade e a inviolabilidade da pessoa humana.

Mas, na prática, sabemos que não é bem assim.

Exemplo claro temos atualmente nestes tempos de pandemia, quando o assunto é divulgação de informações sobre saúde e vacinação contra a Covid-19: de um lado, a saúde pública e, de outro, a privacidade do indivíduo.

O que deve prevalecer: a privacidade ou o interesse público?

Uma situação que ilustra bem este questionamento é a polêmica envolvendo o atual presidente do Brasil, em junho de 2020, quando informou ter testado negativo para o novo coronavírus, mas recusou-se a apresentar o exame, invocando seu direito à privacidade e intimidade.

Neste caso, embora a Lei Geral de Proteção de Dados ainda nem estivesse em vigor à época dos fatos, houve muito debate em torno do conflito entre direito à privacidade e liberdade de imprensa ou interesse público, embora existam normas que regulamentam o sigilo médico. É o caso da Resolução 1.605/2000 do Conselho Federal de Medicina, que proíbe a divulgação de informações de prontuário ou ficha médica (exceto quando há o consentimento do paciente).

Por outro lado, a Lei 6.259/75 determina a comunicação compulsória às autoridades sanitárias dos casos suspeitos ou confirmados de doenças que podem implicar em medida de isolamento, ou quarentena, que é o caso da Covid-19.

Ou seja, não há direito absoluto, devendo haver ponderação entre os dois “direitos”, para ser aplicado o mais adequado ao caso concreto.

No caso da Lei Geral de Proteção de Dados, o legislador quis garantir que ela não tivesse o cunho de um instrumento de censura, o que implica na falta de clareza quanto aos limites e a amplitude dos fins jornalísticos.

Diante disso, se faz necessário analisar cuidadosamente, na prática, os limites da liberdade de imprensa face aos direitos fundamentais do indivíduo.

Assim como o restante do ordenamento jurídico, não existe norma absoluta. O respeito aos direitos e garantias fundamentais do indivíduo à privacidade, à intimidade, à honra e à imagem precisam coexistir em harmonia junto ao direito à informação e à liberdade de expressão e de imprensa.

Portanto, o impasse entre privacidade e liberdade de imprensa deve ser sempre bem analisado, considerando a relevância ou não do interesse da coletividade, pois a ponderação entre normas é o que gera uma sociedade justa, equilibrada e democrática.

Referências bibliográficas

  • ALEXANDRINO, Marcelo. PAULO, Vicente. Resumo de Direito Administrativo Descomplicado. 3ª ed. Rio de Janeiro. Editora Método. 2010.

  • ANTONIOLI, Maria Elisabete. A prática jornalística deve estar focada no interesse público, afirma Maria Elisabete Antonioli. Portal Imprensa. Acesso em 6/4/2021.

  • BARTZEN, Jaqueline. Interesse público: discurso e prática jornalística. Revista Vernáculo, nº 17 e 18, 2006.

  • FILHO, Salomão Ismail. Uma definição de interesse público e a priorização de direitos fundamentais. Conjur.

Revisão ortográfica: Anne Preste


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