Esta lei representa um marco histórico na regulamentação de dados pessoais no Brasil, tanto nos meios físicos quanto em plataformas digitais, além de modificar a forma como instituições privadas coletam, armazenam e disponibilizam informações de usuários, e deve ser seguida também pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
A liberdade de imprensa e a proteção de dados devem ser analisadas à luz da legislação em vigor, bem como da razoabilidade e do sensatez.
Sabemos que a atividade jornalística é essencial à democracia. Porém, a proteção de dados e informações pessoais também são garantidos pela Constituição.
Dessa forma, nos deparamos com um impasse complexo, haja vista que ambas as situações têm forte amparo legal.
Considerando-se a expansão da globalização, do desenvolvimento da tecnologia e do império das big techs, a notícia ficou mais acessível, mas a qualidade da informação ficou comprometida, o que deu vida a uma verdadeira pandemia de fake news. Além disso, dados pessoais têm circulado livremente na internet e, não raras vezes, a sua exposição é confundida com liberdade de expressão.
A que a liberdade de expressão, que é a ferramenta principal da atividade jornalística, que deve sempre ser pautada no interesse público.
O princípio da supremacia do interesse público, citado no Direito Administrativo, é um princípio implícito, decorrente das instituições adotadas no Brasil. Com efeito, presume-se que toda atuação do Estado seja pautada pelo interesse público.
Entretanto, a expressão “interesse público” é um tanto quanto abstrata e, muitas vezes, não reflete objetivamente a finalidade de determinadas decisões ou ações administrativas. (se em prol da coletividade ou por mera conveniência política).
A noção jurídica de interesse público abrange a satisfação das necessidades da população, da coletividade. Mas vale lembrar: essa satisfação só poderá integrar o conceito de interesse público se estiver relacionada a algum direito fundamental previsto na Constituição Federal. Por outro lado, muitas vezes, o interesse público é utilizado no jornalismo como justificativa moral para sustentar escolhas e rebater críticas. O próprio Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, em seu artigo 2.º, dispõe que "a produção e a divulgação da informação devem se pautar pela veracidade dos fatos e ter por finalidade o interesse público".
Para a coordenadora e professora do bacharelado de Jornalismo da Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo (ESPM), Maria Elisabete Antonioli, em entrevista para o Portal Imprensa, "o interesse público e a liberdade de imprensa são condições inerentes para a afirmação de regimes democráticos. O jornalismo, para seu desenvolvimento absoluto, necessita ser livre e independente, e para isso ocorrer é necessário ser praticado em uma cultura democrática, pois a informação não pode ser versão nem do estado, nem da iniciativa privada ou de outros organismos".
De um lado estão os profissionais da imprensa e, de outro, estão os direitos à privacidade, à honra e o direito de imagem. Com o advento da Lei Geral de Proteção de Dados, a "liberação" da atividade jornalística esbarrou mais uma vez nesses direitos fundamentais e vice-versa, tornando frequente a colisão dessas normas, já que elas defendem interesses concomitantes.
Diante disso, é de suma importância a utilização de critérios de proporcionalidade para resolver conflitos entre esses direitos, o que não é uma tarefa fácil, para não ferir a Constituição, lembrando que as normas constitucionais não possuem hierarquia entre si.
A democracia contempla a liberdade de expressão e de opinião, da mesma forma como o direito à informação
Nesse contexto, com o passar dos anos, a imprensa adquiriu cada vez mais liberdade, o que não significa que tenha um poder ilimitado, principalmente quando fere alguns dos direitos fundamentais do ser humano, como a liberdade, a honra, a imagem e a privacidade, embora o direito à informação e a livre manifestação de pensamento estejam entre os pilares mais importantes do Estado democrático de Direito.
A liberdade de publicar prevalece quando se trata de fatos de interesse público, quando são relacionadas à atividade política e partidária, ou quando são sobre a vida social de artistas. Fora essas hipóteses, devem prevalecer a privacidade e a inviolabilidade da pessoa humana.
Mas, na prática, sabemos que não é bem assim.
Exemplo claro temos atualmente nestes tempos de pandemia, quando o assunto é divulgação de informações sobre saúde e vacinação contra a Covid-19: de um lado, a saúde pública e, de outro, a privacidade do indivíduo.
Uma situação que ilustra bem este questionamento é a polêmica envolvendo o atual presidente do Brasil, em junho de 2020, quando informou ter testado negativo para o novo coronavírus, mas recusou-se a apresentar o exame, invocando seu direito à privacidade e intimidade.
Neste caso, embora a Lei Geral de Proteção de Dados ainda nem estivesse em vigor à época dos fatos, houve muito debate em torno do conflito entre direito à privacidade e liberdade de imprensa ou interesse público, embora existam normas que regulamentam o sigilo médico. É o caso da Resolução 1.605/2000 do Conselho Federal de Medicina, que proíbe a divulgação de informações de prontuário ou ficha médica (exceto quando há o consentimento do paciente).
Por outro lado, a Lei 6.259/75 determina a comunicação compulsória às autoridades sanitárias dos casos suspeitos ou confirmados de doenças que podem implicar em medida de isolamento, ou quarentena, que é o caso da Covid-19.
Ou seja, não há direito absoluto, devendo haver ponderação entre os dois “direitos”, para ser aplicado o mais adequado ao caso concreto.
No caso da Lei Geral de Proteção de Dados, o legislador quis garantir que ela não tivesse o cunho de um instrumento de censura, o que implica na falta de clareza quanto aos limites e a amplitude dos fins jornalísticos.
Diante disso, se faz necessário analisar cuidadosamente, na prática, os limites da liberdade de imprensa face aos direitos fundamentais do indivíduo.
Assim como o restante do ordenamento jurídico, não existe norma absoluta. O respeito aos direitos e garantias fundamentais do indivíduo à privacidade, à intimidade, à honra e à imagem precisam coexistir em harmonia junto ao direito à informação e à liberdade de expressão e de imprensa.
Portanto, o impasse entre privacidade e liberdade de imprensa deve ser sempre bem analisado, considerando a relevância ou não do interesse da coletividade, pois a ponderação entre normas é o que gera uma sociedade justa, equilibrada e democrática.
Referências bibliográficas
ALEXANDRINO, Marcelo. PAULO, Vicente. Resumo de Direito Administrativo Descomplicado. 3ª ed. Rio de Janeiro. Editora Método. 2010.
ANTONIOLI, Maria Elisabete. A prática jornalística deve estar focada no interesse público, afirma Maria Elisabete Antonioli. Portal Imprensa. Acesso em 6/4/2021.
BARTZEN, Jaqueline. Interesse público: discurso e prática jornalística. Revista Vernáculo, nº 17 e 18, 2006.
FILHO, Salomão Ismail. Uma definição de interesse público e a priorização de direitos fundamentais. Conjur.
Revisão ortográfica: Anne Preste