A história do Instituto Butantan

Instituto Butantan, orgulho nacinal produzindo soros e vacinas pela defesa da vida.

Sonia Okita

14.04.2021

Parte I: Dos primórdios do Instituto Serumtherápico até os dias atuais

A saúde como ferramenta para o crescimento econômico

Na última década do século XIX, a crescente economia da província de São Paulo foi determinante para que um novo sistema de saúde fosse implementado. A produção agrícola alavancada pelo plantio do café e sua exportação permitiu o acúmulo de riqueza dos cafeicultores, e o Brasil era o maior produtor de café desde 1880, no processo conhecido como ciclo do café. Em São Paulo, a chegada de imigrantes europeus, como italianos, portugueses, suíços, alemães, belgas, e mais a mão de obra escrava, permitiu aos fazendeiros as maiores produções de café somada à ótima qualidade da plantação na “terra roxa” do planalto paulista. O Porto de Santos era o principal entreposto comercial de exportação.

No entanto, a precária situação sanitária nas grandes cidades era uma ameaça para o progresso econômico que precisava manter uma mão de obra saudável com capacidade produtiva para sustentar o crescimento do país. O atual Instituto Butantan e outros institutos de pesquisa surgiram em meio à defasagem entre o sistema público de saúde deficiente frente às necessidades demandadas pelo desenvolvimento da economia cafeeira.

Desde o início da República em 1889, as melhorias avançaram com a reforma do Serviço Sanitário de São Paulo, antes de âmbito federal, com a criação de equipamentos de saúde semelhantes ao modelo europeu.

A chegada da peste bubônica no Brasil

Era urgente combater a peste bubônica, ou peste negra, trazida pelos navios no Porto de Santos vindos da Europa, principalmente da cidade do Porto, em Portugal. Infestados de ratos, portadores da bactéria Yersinia pestis, contida na pulga dos roedores, o Porto de Santos foi revelado como a principal porta de entrada e a cidade de Santos a disseminadora da doença. As medidas de contenção necessitavam de ações rápidas e eficientes, não apenas de caçar os roedores, mas também incentivar hábitos de higiene e limpeza nas casas e nas ruas em qualquer estabelecimento onde houvesse aglomeração de pessoas.

Ao mesmo tempo, os trabalhadores rurais sofriam frequentes ataques de animais peçonhentos, principalmente de cobras, consequência do intenso desmatamento da mata virgem para o plantio de cafezais.

A cidade do Rio de Janeiro, então capital do Brasil e tendo o porto como ponto de entrada e saída comercial, se encontrava em condições insalubres e doenças epidêmicas como febre amarela, febre tifoide, varíola, cólera, e tuberculose eram um triste retrato da baixa qualidade na saúde, causando muitas mortes.

Em contrapartida, o eixo Rio-São Paulo, no Vale do Paraíba, e os arredores da fronteira com Minas Gerais avançando para o interior do estado de São Paulo, era o principal polo produtor de café no Brasil, que acelerava o enriquecimento pela exportação.

O papel dos sanitaristas e a criação dos institutos de pesquisa

As biografias dos sanitaristas Emílio Ribas, Osvaldo Cruz, Adolfo Lutz, Carlos Chagas e Vital Brazil e outros se cruzam nos corredores da Faculdade de Medicina na cidade do Rio de Janeiro. Destes, o esforço conjunto compartilhando conhecimento e experiências formaram pilares que até hoje são a base da saúde coletiva no Brasil, com o estudo de epidemias e doenças tropicais, dos vetores e via de transmissão de doenças infecto contagiosas e das parasitoses. Os registros históricos da época demonstram o desenvolvimento dos institutos de pesquisa no Brasil.

No período de 1889 a 1899 o Serviço Sanitário de São Paulo criou o Laboratório de Análises Químicas, o Laboratório Bacteriológico, o Instituto Vacinogênico, o Laboratório Farmacêutico (no lugar da Farmácia do Estado), e o Desinfectório Central (atual Museu de Saúde Pública Emílio Ribas, um prédio tombado em 1985 e que pertence ao Instituto Butantan).

Um importante marco da pesquisa científica em Saúde Pública foi a instalação do Laboratório Bacteriológico na Fazenda Butantan, em 1899, numa área de 400 hectares. Mais tarde o Instituto Bacteriológico foi transferido deste local e atualmente é o Instituto Adolfo Lutz.

Na Fazenda Butantan, no ano de 1901 foi fundado o Instituto Serumtherápico, especializado na produção de soros contra a peste bubônica e outras doenças tratáveis por este método, e em seguida na produção de soros antiofídicos, que era a área de interesse principal do fundador dr. Vital Brazil Mineiro da Campanha.

No ano anterior, Oswaldo Cruz iniciou as investigações de doenças regionais e tropicais no Instituto Serumtherápico Federal, no Rio de Janeiro, na Fazenda Manguinhos. A criação destes dois institutos, o Fiocruz na Fazenda Manguinhos e o Butantan na Fazenda Butantan ocorreram quase que simultaneamente, com diferença de alguns meses, com a finalidade de produzir soros contra doenças infecto contagiosas.

Osvaldo Cruz havia trazido de Paris uma pequena quantidade do soro antipestoso. Em meio ao projeto de fabricar o soro no Brasil, Vital Brazil foi encaminhado ao Rio de Janeiro para iniciar seus estudos contra a peste. Através de autópsia fez um diagnóstico preciso do primeiro caso de peste no Brasil, confundido com febre amarela e tifo por outros médicos. (segundo Olga Fabergé, historiadora do Inst. Butantan).

Por seu trabalho, Vital Brazil e o então Instituto Serumtherápico foram reconhecidos no âmbito internacional pela pesquisa de diferentes soros antiofídicos, além da produção do soro para tratamento da peste.

No cenário mundial da época, o papel dos micro-organismos como causadores de doenças infecto contagiosas já era conhecido graças às pesquisas de cientistas como Louis Pasteur, Robert Koch, Alexander Fleming, Joseph Lister e outros. Os melhores cientistas foram recrutados para compor os institutos de pesquisa na Europa e nos Estados Unidos, e no Brasil não foi diferente. Este período foi o apogeu na pesquisa científica que abriu caminho para os projetos de saneamento, higiene e saúde coletiva em todo o mundo.

Com os institutos de pesquisa, pela primeira vez as causas das doenças infecciosas eram diagnosticadas fora dos hospitais, e como consequência desenvolveu-se a normatização metodológica padronizada. Estes centros tornaram-se coligados às universidades para programas de pós-graduação, especialização e eventos nacionais e internacionais.

É importante salientar que tanto o Instituto Butantan como o Instituto Oswaldo Cruz foram construídos em fazendas, longe da cidade na época, pois a população temia a proximidade e acreditava que uma extensa área verde serviria como proteção contra contato e contaminação por micro-organismos.

Vital Brasil (acervo Instituto Butantan)
Matéria do jornal OESP de 5 abril 1914 sobre a inauguração do Instituto Butantan

Parte II: O Instituto Butantan como centro de referência de produção de soros e vacinas.

O complexo do Instituto Butantan está localizado em uma área verde de 750 mil m2, num parque com grande vegetação remanescente da Mata Atlântica e rodeado por área urbanizada no bairro do Butantã, zona oeste de São Paulo. Este parque preserva a fauna e a flora nativas e permite que o público possa visitar e usar as dependências de lazer. Esta área é adjacente ao campus universitário da Universidade de São Paulo.

O Prédio Novo foi construído há mais de 70 anos. O Laboratório de Bacteriologia e Genética, criado em 1938, com arquitetura Art Decó em voga na época.

Atualmente, nos 120 anos desde a sua criação, o Instituto Butantan trabalha no controle da pandemia do novo coronavírus com a produção de novas vacinas e soros com a expertise e competência que desenvolveu neste segmento, tornando-se um laboratório de pesquisa internacionalmente reconhecido. O Instituto Butantan, da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, é responsável pela produção nacional de soros e vacinas do Brasil que fazem parte do Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde (PNI). Como centro de referência nacional de produção de soros e vacinas, suas instalações receberam reformas e modernização em vista da necessidade de produzir a vacina Coronavac. A produção de outras vacinas contra difteria, tétano, pertussis, hepatite B, influenza, e raiva já são produzidas desde a implantação da nova sede do Instituto.

Como referência internacional é produtor de 13 tipos de soros que utiliza cerca de 800 cavalos para fabricar soro contra veneno de serpentes, aranhas, escorpiões, lagartas (taturana), além de soro para intoxicação causada por bactérias do tétano, botulismo, difteria, e do vírus da raiva. Estes animais são mantidos na Fazenda São Joaquim em Araçariguama, a 50 km de São Paulo.

Pavilhão Lemos Monteiro

O Pavilhão Lemos Monteiro é sede do Centro de Desenvolvimento Cultural, responsável para divulgar projetos da área da Educação, História da Ciência e da Saúde, dos museus, documentos e material científico, levando ao conhecimento público. Realiza projetos culturais itinerantes em escolas, no campus da USP, e exposição permanente em outro município.

A Biblioteca fundada em 1914, está localizada no Edifício Vital Brasil, e possui literatura especializada nos estudos em toxinas, bacteriologia, imunologia, biodiversidade e biotecnologia, e muitos de seus artigos podem ser acessados pela Biblioteca Virtual da saúde (BVS).

O Instituto Butantan faz parte de uma rede internacional de países com missão de divulgar e compartilhar conhecimento científico pelas Organizações Mundial e Panamericana de Saúde (OMS e OPAS), Organização das Nações Unidas (ONU), e faz parcerias com universidades e instituições internacionais como o National Institutes of Health (NIH) americano e Fundação Bill & Melinda Gates.

Este instituto é também um importante centro de capacitação científica com programas de especialização e pós-graduação e educação na área de Toxinologia (o estudo das toxinas produzidas por espécimes biológicos) e gestão da inovação em saúde, incluindo todas as etapas da pesquisa, patentes, padronização, produção e comercialização de produtos biológicos. Além disso, administra cursos sobre animais peçonhentos, primeiros socorros, soros e vacinas para a comunidade em geral, estudantes, bombeiros, militares, trabalhadores rurais, e outros.

Todos os registros históricos, a coleção de amostras de material de estudos, os espécimes zoológicos e trabalhos científicos são mantidos nos 4 museus utilizados para projetos de cultura e educação. São eles: Museu Biológico, Museu Histórico, Museu de Microbiologia e Museu de Saúde Pública Emílio Ribas.

Os Museus

O Museu Biológico está numa área de construção histórica de 1920, a antiga cocheira de imunização dos cavalos para produção de soros. Atualmente é uma mostra de animais vivos da fauna brasileira como cobras, aranhas, escorpiões, sapos, lagartos, insetos e até peixes, colocados em pequenos espaços que imitam os ambientes da natureza onde se encontram. As informações sobre os animais e seu habitat encontram-se em painéis para leitura dos visitantes.

O Museu Histórico, construído em 1981, é uma réplica das instalações do início das atividades do Instituto Butantan de 1901, quando o diretor, Dr. Vital Brazil produziu o primeiro soro contra a epidemia da peste bubônica que se alastrava em São Paulo. Nele estão mantidos os primeiros equipamentos de laboratório usados por Vital Brazil em suas pesquisas e de onde saíram os soros contra doenças na época e contra o veneno de cobras.

O Museu de Microbiologia data do ano de 2002 com exposição permanente de réplicas de modelos aumentados e tridimensionais de vírus e bactérias, além de vídeos explicativos, microscópios antigos e modernos que contam uma breve história da evolução dos estudos dos micróbios e dos cientistas precursores. É uma pequena mostra do trabalho que se desenvolve desde a criação do Instituto dada a importância da ciência e tecnologia para o avanço científico.

O Museu Emílio Ribas, localizado no bairro do Bom Retiro, faz parte do conjunto de museus do Instituto Butantan. Nesta construção arquitetônica de 1893, estão guardados importantes registros em um acervo documental especializado na história da saúde pública em São Paulo e é reconhecido como patrimônio cultural paulista.

Pátio interno do Museu Histórico Emílio Ribas, localizado no bairro do Bom Retiro
Roupas na exposição do Desinfetório Central (Bom Retiro, São Paulo, SP

Na época da inauguração era chamado de Desinfectório Central com o objetivo de realizar processos de desinfecção e de controle das epidemias no século XIX e é considerado precursor do serviço sanitário público, realizando a retirada de enfermos para hospitais de isolamento e de cadáveres de pessoas mortas por doenças infectocontagiosas, função importante no combate às epidemias. O museu possui exposição sobre As Grandes Epidemias, a Aids e a gripe.

O Hospital Vital Brazil inaugurado em 1945 realiza atendimento especializado em acidentes causados por ataques de animais como cobras, escorpiões e aranhas. Funciona 24horas atendendo emergências e oferece tratamento com soros e vacinas.

Foto: Ricardo Caiano (2017)
O Serpentário, construído em 1914, resguarda serpentes vivas como principal atração do parque

Saiba mais sobre o Instituto Butantan assistindo o video abaixo produzido pela Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) do Governo Federal.

Revisão ortográfica: Anne Preste


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