Entrevista: Valter Passarinho

O papel da Rádio da Resistência nas quebradas

por Lala Évan

17.08.2020

Este artigo será o primeiro, dentre muitos, em que contarei um pouco dos nossos catalisadores de conexões e saberes, que criaram espaços genuínos de escuta e de ressignificação da comunicação.

Com isso, abriram espaço relevante para as comunidades, com projetos transformadores e pessoas incríveis que têm o poder de ampliar o impacto do coletivo, fazendo a diferença na sociedade.

Existem iniciativas com papéis culturais focadas no bem comum. E essas pessoas têm o poder de mudar seu mundo de verdade. Para mostrar tudo o que está acontecendo, fazendo emergir a colaboração em todos os sentidos, trarei aqui um pouquinho da história da “Rádio e TV NUAR“.

Ela foi criada a partir da necessidade de aproximar as comunidades na zona leste de São Paulo, debatendo questões sociais, socioculturais, artísticas e sobre desenvolvimentos locais de vários segmentos de suas periferias, além de pensar formas de divulgar, tanto questões polêmicas quanto positivas; criando debates e reflexões, difundindo e possibilitando acesso e aproximação de artistas independentes junto à população e criando diálogo de mão dupla entre cidadão e poder público.

A Rádio e TV NUAR - WEB se intitula a Rádio e TV da Quebrada, por se encontrar em um bairro periférico e como um espaço de resistência, a União de Vila Nova, conhecida como Jardim Pantanal, no Bairro de São Miguel Paulista, fazendo parte do Instituto União da Arte.

Valter Passarinho, ou Passarinho, como gosta de ser chamado, descreve em nossa entrevista uma bagagem de conhecimento em arte e educação e uma série de atividades ligadas à arte e projetos sociais.

Trabalhou com políticas públicas, nas secretarias de cultura de São Paulo, Guarulhos e Suzano, atuando como educador popular para as crianças da periferia com vários projetos, dentre eles música, dança, teatro, oficinas de vídeo e audiovisual.

Nesta conversa, Passarinho revela que, após algumas oficinas de vídeo e audiovisual, sentiu a necessidade de ampliar o aprendizado de alguma forma com os jovens, pois já vinham desenvolvendo algo simples, como entrevistas pelo celular com a população, por exemplo, e já percebiam a importância das ações de luta para os assuntos de interesse junto à comunidade.

Montaram um estúdio bem simples de rádio e TV, com a ideia de que os jovens sejam protagonistas, sempre pensando em como fazer o diálogo na comunidade sobre suas problemáticas; debater sobre esses assuntos e também trazer esses artistas que não têm acesso à mídia para gravar seus trabalhos.

Já estão iniciando um projeto colocando aquário (uma pequena sala acústica, onde se grava dentro dela e os aparelhos de gravação (como o computador) ficar fora dela e nesse caso é necessário a colocação de um vidro). Dessa forma, poderão implementar o projeto de colocação do estúdio audiovisual, em conjunto com estúdio musical, rádio e estúdio fotográfico.

Também estão providenciando o mapeamento de artistas de todas as linguagens que existem na região, no intuito de prover o ambiente de gravação de seus “clips” com as bandas, que estarão tocando na rádio. É um processo de amadurecimento, mas sempre com o olhar de ensinar os jovens.

A rádio, além de ser um espaço de entretenimento em função de buscar apoiar os artistas, consegue também envolver o poder público nas questões que compreendem o ambiente, tanto para dialogar, quanto para cobrar. Exemplificou que, a partir de uma promessa da subprefeitura de resolver problemas de atropelamento no bairro, a rádio tem o papel de cobrar caso nada seja realizado, no papel de cidadania.

Questionei sobre a matéria do veículo G1- Globo News, de 17 de julho 2020, que trouxe a seguinte informação: 34% de uma amostra de 3.000 (três mil) moradores que realizaram os testes do Covid-19 estavam contaminados; quis saber qual papel a rádio poderia ter e Passarinho informou que neste momento dedica-se a utilizar a rádio para orientações e conscientização quanto ao coronavírus.

A rádio passou a ser uma ferramenta fundamental de articulação sobre as problemáticas da comunidade, que tem ao todo em torno de 40 mil moradores, com muitas mulheres que são empregadas domésticas e homens pedreiros, ou seja, além de saírem da comunidade diariamente não há como fazer algum tipo de isolamento pela própria formatação das moradias.

Existe um posto de saúde, mas não tem estrutura aprofundada para esse tipo de ajuda. Em sua opinião, os hospitais de campanha deveriam ter sido implantados dentro das comunidades para serem mais efetivos. Ele acredita que o número de infectados é muito maior, mas em sua visão está muito superficial.

No final de nossa conversa, questionei Passarinho sobre a trajetória do Rádio na comunidade, se ele já teve alguma comprovação de que estava cumprindo realmente o seu propósito. Passarinho conta que o que mais o marcou na trajetória da implantação do Rádio foi quando houve uma enchente no bairro e trouxe algumas pessoas para olhar, assim como alguns repórteres.

Quando se depararam com a rádio e TV, isso fez com que a TV Cultura, os observasse, e, promovendo o papel da cidadania, resolveram oferecer um curso ministrado por eles. A repórter da TV Cultura (Laís Duarte), segundo ele, ficou animada ao ver uma meninas de 11 anos (Linda e Kayla) com tanta desenvoltura, dizendo “essa menina já é uma repórter”; e o mais importante: ver que outras crianças estão sendo beneficiadas, e fazer parte desse processo de transformação do cidadão do ponto de vista humano já é uma resposta de que o caminho está certo.

Página da rádio no Facebook: rtvnuar


Revisão: Maitê Ribeiro

Assista à entrevista completa:

CeR entrevista Valter Passarinho - Músico e arte-educador