“Manhãs de Setembro” aborda a maternidade pela perspectiva de uma mulher trans


Bruna Albuquerque

24.07.2021
Liniker como Cassandra na série “Manhãs de Setembro”. Fonte: El País

Manhãs de Setembro, título que remete à música de Vanusa, é uma série da Amazon Prime Vídeo, com cinco episódios curtinhos, mas potentes.

Comparável ao famoso filme “Transamérica” de forma bem reduzida, é o retrato de uma mulher trans na capital paulista. Cassandra, interpretada por Liniker em maravilhosa atuação, se frustra ao fazer uma entrega mal sucedida e logo após celebra a conquista de sua própria quitinete, o tão sonhado e presente no imaginário brasileiro “cantinho para chamar de seu”.

A trama de Manhãs de Setembro, com personagens complexos e frases repletas de intencionalidade, acompanha a trajetória de Cassandra, uma mulher trans que trabalha como entregadora e canta à noite em uma boate. Seu namorado, apesar de casado, a ama. O sucesso dos seus shows lhe dá uma aparente vida que segue bem.

Aos 30 anos, conseguiu a liberdade que desejava, até que Leide, a mulher com quem Cassandra teve um envolvimento breve, reaparece após 10 anos com o filho de ambas, Gersinho, que desejava conhecer o pai. Leide é uma mulher sem teto, que trabalha como camelô no sinal e mora em um carro velho. Em diversos momentos é transfóbica por não entender a sexualidade de Cassandra.

A série mostra para além da temática trans, o retrato de duas mães na luta por um espaço e reconhecimento na sociedade. São duas mulheres que enfrentam a solidão por desejo de liberdade. Leide anseia por uma vida melhor e se desdobra para dar tudo ao filho sem pedir ajuda de Cassandra, para quem “amor não é coisa pra travesti”, segundo sua amiga.

Cassandra rejeita o filho, tentando se apegar a um resquício de liberdade que ainda tem nas mãos. O afeto entre os dois vai de encontro à tão idealizada imagem do amor incondicional dos pais.

Diante das questões sociais abordadas, a série mostra um amor real e construído.

Um casal de amigos de Cassandra, Aristides e Décio, gays e idosos, se afeiçoam pelo menino e acalentam a trama gerando uma reflexão sobre Aristides, que era um padre gay apaixonado por futebol e afirma que não se pode ser padre e santista, porém, o real significado é “não se pode ser religioso e homossexual”.

A crueza da temática é um contraste com as belíssimas cenas. No início predominantemente cinza, vão tomando cor conforme a passagem poética do inverno para a primavera. A série retrata um Brasil real, que raras vezes alcança as telas do cinema e aborda reflexões sobre grandes questões do povo brasileiro.

Muito simbólica e bem escolhida é a presença de Vanusa, uma cantora importante e expoente da música popular brasileira, da Jovem Guarda, mas frequentemente renegada e esquecida. Vanusa nunca teve o destaque do rei Roberto Carlos ou de Erasmo Carlos. A série retrata brasileiros esquecidos, assim como Vanusa, que podem se juntar a ela no coro “E fui esquecida, fui eu... nas manhãs de setembro, eu quero sair, eu quero falar”.

Manhãs de Setembro é uma série que sem dúvida deveria ser assistida por todos.

Assista o trailer oficial:

Revisão ortográfica: Sonia Okita


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