O que deixamos de herança, qual o nosso legado?

por Vera Bifulco

17.04.2020

"Todos devem deixar algo para trás quando morrem. Um filho, um livro, um quadro, uma casa ou parede construída, um par de sapatos, ou um jardim. Algo que sua mão tenha tocado de algum modo, para que sua alma tenha para onde ir quando você morrer. E quando as pessoas olharem para aquela árvore ou aquela flor que você plantou, você estará ali. Não importa o que você faça, desde que transforme alguma coisa, do jeito que era antes de você tocá-la, em algo que é como você depois que suas mãos passaram por ela. A diferença entre o homem que apenas apara gramados e um verdadeiro jardineiro está no toque. O aparador de grama podia muito bem não ter estado ali, o jardineiro estará lá durante uma vida inteira".

Quando finalizei a leitura desse romance distópico de ficção científica (Farenheit 451), escrito por Ray Bradbury em 1953, coincidentemente o ano de meu nascimento, pincei este parágrafo que considero magistral.

Quando chegamos à idade madura, entendendo essa idade como aquela que nos permite olhar para trás, rever nosso tanto de vida já vivida e o ponto onde chegamos, acredito precisamos fazer essa pergunta, o que deixamos de herança, qual o nosso legado, uma pergunta sine qua non, um questionamento vital.

Afinal, qual será meu legado quando eu tiver deixado essa passagem pelo planeta Terra?

Terei feito a diferença, por mínima que tenha sido? O que minha mão tocou, conservará minha digital?

Pelo Wikipédia, legado, entre outras definições é, aquilo que as gerações passadas transmitem às atuais; dádiva.

Interessante notar que deixar um legado é sentido como uma dádiva para as gerações futuras, ou seja, precisamos de legados como referências para nos basear, nos dar estrutura, nos alicerçar. Os livros, as teses, os filmes, as artes de maneira geral - o que chamo de humanidades -; nos salvam, nos sustentam, são nosso amparo e proteção, como a dizer, sim esse é o caminho, continue.

“A principal tarefa do homem na vida consiste em dar à luz a si mesmo, em se tornar aquilo que potencialmente ele é”.

(Erich Fromm - Psicanalista, filósofo e sociólogo)

Antigamente os heróis eram muitos, faltam-nos heróis nesse momento histórico presente.

Sou de uma geração em que nos espelhávamos em mestres, professores que foram decisivos em nossas vidas, em nossas escolhas profissionais. Como devemos a eles! Eles se tornaram imortais para nós. Suas mãos, ao nos tocarem, transformou nossas vidas, não fomos mais os mesmos depois de sua presença.

Existem pessoas assim, obras assim.

Este momento ímpar que passa nosso Planeta nos remete à reflexão, até o momento presente, e olhando pelo retrovisor de nossas vidas, o que fizemos, o que estamos fazendo e para onde queremos ir.

Em meio a tantos cenários de incertezas, em que deixamos um mundo presumido e somos obrigados a encarar um mundo real, vejo uma luz, um sinal, que talvez, quem sobreviver, possa disseminar que é possível sim, construir um cenário melhor, seja para o mundo (macrocosmos) em que vivemos, seja para o mundo (microcosmos) individual de cada um.

Entramos com essa revolução para uma época pós-pós moderna, ou seja, precisamos deixar aqueles conceitos, ações, pensamentos e ideias que já não servem mais, não cabem mais no processo evolutivo; em tese não há retrocesso, a humanidade caminha, mesmo a passos de formiga, para o crescimento, a evolução, o progresso.

Existem duas perguntas cruciais, difíceis, mas necessárias que devemos nos fazer em todos os estágios ou fases de nossa vida. Quem sou eu? O que eu quero?

Cada estágio de vida tem um apelo, por isso essa pergunta se modifica, um pouco ou muito, conforme caminhamos.

“Caminhante, não há caminho, o caminho se faz ao caminhar”.

(Antonio Machado, poeta espanhol)

Como puderam perceber, me valho das humanidades que me ajudam, em poucas palavras, a fechar meus pensamentos, a darem forma artística às minhas elucubrações mentais.

Gratidão a todos os artistas que deixaram suas digitais nas profundezas do meu ser, eles ajudaram na minha construção como pessoa, como ser humano.



Revisão: Maitê Ribeiro
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