100 anos do maior movimento cultural brasileiro


A Semana de arte moderna, ocorrida em 1922, inaugurou o movimento modernista no Brasil. A primeira fase do modernismo literário brasileiro, durou de 1922 a 1930. Um dos principais objetivos do modernismo era trazer à tona aspectos da cultura popular.


Cleo Brito

03.02.2022

Marco oficial do Modernismo brasileiro aconteceu em São Paulo (SP) e reuniu artistas das mais diversas áreas no Theatro Municipal ao longo dos dias 13 a 18 de fevereiro de 1922. Além da exposição, o evento contou com três festivais, que envolviam apresentações de música, dança, declamações de poesia e conferências.

Influenciados pelas vanguardas europeias e pela renovação geral no panorama da arte ocidental, escritores, pintores, escultores, intelectuais e músicos uniram seus esforços para apresentar suas produções ao grande público. Reunião das tendências estéticas que tomavam forma em São Paulo e no Rio de Janeiro desde o início do século, a Semana de Arte Moderna também revelou novos grupos, novos artistas, novas publicações, tornando a arte uma realidade cultural no Brasil.

Até o início do século XX, a escola artística tida como oficial no Brasil era o Parnasianismo, caracterizado pelo rigor formal (preocupação com a forma do poema no que se refere à metrificação), pela proposta da “arte pela arte” e pelo academicismo e elevada erudição. No continente europeu, no entanto, vigorava outra proposta artística. As grandes reviravoltas da Revolução Industrial haviam instituído uma nova maneira de viver, modificando completamente as relações humanas. A luz elétrica e a rapidez dos automóveis e das produções fabris em larga escala transformaram a sociedade.

As novas tendências que floresciam com as vanguardas, grande período de experimentação do início do século XX, deram aos artistas brasileiros a possibilidade de trabalhar com novas linguagens, novos materiais e novas propostas, a fim de renovar a arte nacional. Mas, diferente do Parnasianismo, não houve uma incorporação completa dessas estéticas, no sentido de se desenvolver aqui uma escola análoga ao cubismo ou o expressionismo.

Os artistas que iniciaram o Modernismo brasileiro aproveitaram-se desses novos procedimentos e técnicas, desse rompimento com o academicismo, para reelaborar o cenário artístico nacional.

1922 foi o centenário da Independência do Brasil. Assim, o cenário era ideal para a renovação artística e esse foi um dos motes da Semana: a atualização intelectual da consciência nacional. O Brasil, que se transformava e se modernizava, precisava de um novo olhar artístico, sociocultural e filosófico que propusesse uma arte original e atualizada, trazendo consigo um pensamento a respeito dos problemas brasileiros e da variedade cultural que se estendia por nosso vasto território.

A Semana fez o papel de divulgação da arte moderna, que, por sua vez, cultivou o terreno para a consolidação de uma revolução artística e literária que tomou forma após 1922, quando foram lançados os manifestos de Oswald de Andrade e as obras fundamentais do Primeiro Modernismo brasileiro, tais como Macunaíma (Mario de Andrade), Memórias Sentimentais de João Miramar (Oswald de Andrade) e Ritmo Dissoluto (Manuel Bandeira).

Na visão de Di Cavalcanti, o acontecimento da Semana extrapolou o campo cultural e repercutiu também na área política.

A exposição causou grande desaprovação da classe conservadora, em especial Monteiro Lobato, que publicou uma crítica extremamente negativa, intitulada “Paranoia ou mistificação?"

Principais artistas da Semana de Arte Moderna de 1922

Arquitetos: Antonio Moya, Georg Przyrembel.

Escritores: Afonso Schmidt, Agenor Barbosa, Álvaro Moreyra, Elysio de Carvalho, Graça Aranha, Guilherme de Almeida, Luiz Aranha, Mario de Andrade, Menotti del Picchia, Oswald de Andrade, Ronald de Carvalho, Sérgio Millet, Tácito de Almeida.

Escultores: Wilhelm Haarberg, Hildegardo Leão Velloso, Victor Brecheret.

Músicos: Alfredo Gomes, Ernani Braga, Fructuoso Viana, Guiomar Novais, Heitor Villa-Lobos, Lucília Guimarães, Paulina de Ambrósio.

Pintores: Anita Malfatti, Antonio Paim Vieira, Emiliano Di Cavalcanti, Ferrignac, John Graz, Vicente do Rego Monteiro, Yan de Almeida Prado, Zina Aita.

Curiosidades da Semana de Arte Moderna de 1922:

A Semana de Arte Moderna foi financiada pela oligarquia paulista

Após as críticas de Monteiro Lobato, Mário de Andrade e Oswald de Andrade, buscaram expor o Modernismo e defendê-lo. Surgiu, então, a ideia de fazer a Semana de Arte Moderna no Theatro Municipal de São Paulo, no mesmo ano em que a declaração de Independência completaria 100 anos. A data escolhida foi simbólica e representaria a “segunda” independência do Brasil – mas, desta vez, no sentido artístico.

Nesse momento, o apoio da elite paulista foi fundamental. Nesse contexto pertencente da República Velha, a oligarquia paulista tinha interesse em tornar São Paulo uma referência em criação cultural, posto que era ocupado pelo Rio de Janeiro.

Além disso, o início da efervescência paulista passou a se contrapor ao conservadorismo carioca, que era bem mais tradicional no ramo das artes. Assim, a Semana de Arte Moderna foi amplamente financiada pela elite cafeeira, que tomou a frente do evento que teria projeção nacional.

Theatro Municipal de São Paulo, inaugurado em 1911

"Os Sapos” foi vaiado

Os Sapos é um poema escrito por Manuel Bandeira, à moda da poesia de Jules Laforgue, lido entre vaias e gritos da plateia na Semana de Arte Moderna de 1922, tendo se convertido em um clássico da poesia moderna brasileira, citado em todos os livros didáticos sobre Literatura Brasileira do século XX.

Villa-Lobos de Chinelo

No dia 17 de fevereiro, Heitor Villa-Lobos fez uma apresentação musical. Entrou no palco calçando num pé um sapato e em outro um chinelo. O público vaiou, pois considerou a atitude futurista e desrespeitosa. Depois, foi esclarecido que ele entrou desta forma, pois estava com um calo no pé.

Os tomates de Oswald

Em muitos momentos durante o evento, principalmente em seu primeiro dia, os organizadores surpreenderam o público com os conceitos artísticos e estéticos que apresentavam.

No caso de Oswald de Andrade, a questão foi puramente de extravagância. Os boatos que correm no meio acadêmico, entre os estudiosos da semana, é que ele, um dos idealizadores do evento, pagou para que estudantes do Largo São Francisco, escola de direito da USP, atirassem tomates nele próprio durante a declamação de um poema. Simplesmente pela polêmica.

Era para ser uma semana, mas só durou três dias

Talvez porque a intenção fosse, de fato, experimentar e provocar mudanças, a Semana de Arte Moderna, na verdade, durou apenas três dias, alternados.

O evento esteve anunciado e programado para ocorrer entre os dias 11 a 18 de fevereiro, mas o teatro foi aberto para as exposições nos dias 13, 15 e 17. Em cada dia, as apresentações foram divididas por tema: no dia 13, pintura e escultura; no dia 15, a literatura; e no dia 17, a música.

Ironicamente, alguns dos nomes mais importantes do Modernismo não estiveram presentes na Semana. É o caso de Tarsila do Amaral, provavelmente a pintora mais conhecida do movimento, que estava em Paris, e Manuel Bandeira, que ficou doente e faltou à declamação do seu próprio poema, Os Sapos, no segundo dia.

O público não gostou da Semana de Arte Moderna

Toda aquela modernidade não agradou o público. As pinturas e esculturas de formas estranhas, fizeram os visitantes se perguntarem se os quadros estavam pendurados da maneira certa. Os poemas modernistas eram declamados entre vaias e gritos da plateia.

A reação dos visitantes ecoou entre os especialistas, que trataram o movimento como desimportante e retomaram às críticas vorazes de Monteiro Lobato.

De fato, à época, a Semana de Arte Moderna não teve tanta importância. Mas, nos anos seguintes, o evento passou a ser considerado o marco que inaugurou o Modernismo no país e provocou os efeitos sentidos em todos os aspectos da cultura brasileira.

Vicente do Rêgo Monteiro, o único pernambucano da Semana de Arte Moderna

Divulgador das vanguardas europeias no Brasil, Vicente do Rêgo Monteiro (1899-1970) foi um precursor das ideias que nortearam a Semana de 22, com seu interesse nas lendas amazônicas e na produção de cerâmica marajoara desde a década anterior.

Deixou oito obras para serem expostas na Semana de Arte Moderna, mas, na época, vivia em Paris. Foi amigo de modernistas notáveis, como a pintora Anita Malfatti, o escultor Victor Brecheret e o pintor Di Cavalcanti, o que rendeu o convite à Semana.

Mário de Andrade e A Escrava que não era Isaura

Durante a Semana de Arte Moderna, Mário de Andrade fez a apresentação do esboço de um texto que seria publicado na íntegra apenas em 1925, chamado A escrava que não era Isaura. No ensaio, ele defende um maior aprofundamento do verso livre, da síntese no uso das palavras e frases e defende uma maior valorização do que há de brasileiro na língua (características centrais que aparecem no movimento modernista).

Referências:

Wikipedia | Arteref


Revisão ortográfica: Leilaine Nogueira


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