Teatro Sérgio Cardoso celebra 41 anos


Em homenagem ao teatro aniversariante será proporcionado ao público on-line amante de artes cênicas a “Mostra Teatro Sérgio Cardoso Digital 2021”

Indira Rodrigues

17.10.2021

Fachada externa do Teatro Sérgio Cardoso

Inaugurado em outubro de 1980 no coração do Bixiga, bairro localizado na capital de São Paulo, o Teatro Sérgio Cardoso celebra em outubro deste ano, seus 41 anos. No mês de aniversário do teatro, do dia 04 até 31 de outubro, a Plataforma Cultura em Casa, apresenta o “Mostra Teatro Sérgio Cardoso Digital 2021”, uma seleção de dezenas de peças, espetáculos de dança e música, para os espectadores digitais. O espaço antes era um antigo casarão, descoberto pelo casal de atores Nydia Licia (1926–2005) e Sérgio Cardoso (1925–1972). Logo, eles idealizaram fazer um teatro daquele espaço, inicialmente nomeado de Teatro Bela Vista. Em entrevista, conversei com Sylvia Leão, filha do casal, que contou sobre a trajetória dos seus pais, parceiros de trabalho e referências na arte com o teatro e a televisão:

Por que você não seguiu a carreira dos seus pais? Você participou em algum momento de alguma obra deles encenando, escrevendo alguma peça, dando opinião sobre algo?

Porque eu sou médica. Trabalhei com muita pesquisa em medicina. Eu fiz alguma coisa em teatro com a minha mãe, participei como atriz uma vez, como cenógrafa, como assistente, fiz um monte de atividades no teatro, mas, assim como a medicina, o teatro é uma carreira que tem que “tá no sangue” mesmo, sabe? E, pra mim, a medicina estava mais no sangue do que o teatro.

Durante o período que sua mãe se separa do Sérgio, ele retoma as atividades artísticas em 1964, estreando sua primeira novela. Naquele tempo, o Sérgio estava escrevendo “Prosa e Verso”?

Não. Eles se separaram em 1960, daí ele [Sérgio Cardoso] passou alguns anos viajando pelo Brasil com uma companhia de teatro, fazendo espetáculos em outros estados. E, quando ele voltou em São Paulo e no Rio de Janeiro, ele começou a fazer televisão. Primeiro em São Paulo, na TV Tupi, e depois ele foi para o Rio de Janeiro. Ele começou a montar esse espetáculo, “Sérgio Cardoso Prosa e Verso”, no ano que ele morreu, em 1972. Então, ele estava se preparando para voltar ao teatro com esse espetáculo e ele nem chegou a estrear.

Sylvia Leão - Crédito: Acervo Pessoal

Após o Sérgio ter encontrado o Teatro do Estudante do Rio de Janeiro, ele deixou de lado sua formação em direito?

Ele nunca exerceu. Ele falava que a carreira dele durou três semanas. Foi do dia que ele se formou até o dia que ele estreou no Teatro do Estudante. Foi três semanas em que ele foi advogado, né? Diremos assim, depois ele já desistiu.

Ambiente interno do Teatro Sérgio Cardoso. Foto René Fernandes Arquitetos

E a companhia de teatral dos Doze?

Esse teatro foi no Rio de Janeiro e durou dois anos mais ou menos. E não deu certo, ele não conseguiu manter. E ele veio para São Paulo para trabalhar no TBC, no Teatro Brasileiro de Comédia, que é na Major Diogo, no Bixiga. Trabalhou vários anos no TBC, foi lá que ele conheceu minha mãe, foi lá que eles se casaram. E alguns anos depois eles resolveram ter o teatro deles mesmo, sabe? Criar o teatro deles. Principalmente para levar textos nacionais. Eles tinham esse sonho de realizar espetáculos de autores nacionais, por isso eles queriam ter o teatro próprio.

Em 13 de outubro de 1980, foi oficialmente inaugurado o Teatro Sérgio Cardoso, sob a administração do governo do estado de São Paulo. A primeira temporada do novo teatro é marcada por um espetáculo com roteiro do próprio ator: “Sérgio Cardoso em Prosa e Verso”.[MN1] [IRdS2] [IRdS3] Como se deu a construção do espaço e o nome oficial do teatro?

A história é bem interessante: a gente morava, eu nasci na rua Major Diogo, e a gente morava na frente do TBC em um prédio que ainda existe lá. E eles estavam filmando perto do Teatro Sérgio Cardoso em uma das ruas do Bixiga, eles estavam fazendo um filme. Esse filme nunca terminou. Eles estavam filmando e uma noite, voltando para casa, eles passaram na rua Conselheiro Ramalho, em uma construção alta, que eles viram que poderia ser um teatro, mas estava fechado, estava abandonado. No dia seguinte, eles foram até a prefeitura ver o que era aquele prédio. E realmente era um teatro, que se chamava Cine Teatro Espéria, foi um cinema, mas estava abandonado. Os donos do terreno queriam fazer alguma outra coisa lá. Eles não queriam mais que aquilo fosse um teatro. Daí, meus pais foram falar com os donos do terreno onde estava esse cineteatro e conseguiram fazer um contrato de aluguel por dez anos desse edifício abandonado com a opção de mais cinco. Então, eles ficariam quinze anos nesse lugar. E foi uma coisa muito arriscada, eles não tinham um tostão, eles não tinham nada de dinheiro, eles se arriscaram assinando um contrato. E depois foram atrás de patrocinadores que pudessem fazer doações e fornecer dinheiro para que eles pudessem reformar aquele edifício, fazer ele virar um teatro realmente. Que foi caro! Foi algo que tinha que fazer tudo! Botar as cadeiras, botar o palco, tinha que fazer tudo! Só tinha a construção, que já existia. E eles levaram três anos para conseguir montar o teatro, reformar e criar a companhia, uma empresa que chamava Bela Vista. As pessoas faziam doações para essa empresa Bela Vista e, em contrapartida, elas tinham ingressos, ingressos gratuitos. E eles conseguiram! Conseguiram ir fazendo, eles tinham amigos engenheiros que ajudaram a fazer a obra e tal. Inauguraram o Teatro Bela Vista no lugar desse Cine Teatro Espéria em 1956. Já com a companhia deles, que era a companhia Nydia Licia Sérgio Cardoso, e o teatro que era o Teatro Bela Vista. Eles inauguraram fazendo uma nova montagem de Hamlet, peça de Shakespeare, e foi um sucesso. Muito bem recebida pela crítica, pelo público, e começaram a fazer o sonho deles, que era principalmente fazer peças nacionais. Eles fizeram muitas e, durante cinco anos, eles estavam juntos nesse empreendimento. Daí, em 1960, eles se separaram, ele foi viajar pelo Brasil e ela ficou mais dez anos no teatro, lutando para manter o teatro aberto. Houve um processo e queriam tirar o teatro dela, ela brigou muito e toda a classe teatral a apoiou para manter aquele teatro, que era um dos melhores teatros de São Paulo na época. Um teatro ótimo, muito bem montado, com uma acústica ótima, com uma visibilidade ótima.

Sala Nydia Licia e Sala Paschoal Carlos Magno. Foto: Site Teatro Sérgio Cardoso

Foi uma atitude um tanto quanto ousada, mas ela resultou oficialmente no Teatro Sérgio Cardoso. Como foi o processo de aquisição do espaço e a reforma que o casal fez para tornar o sonho realidade?

Tanto o Teatro Cine Espéria como o Teatro Bela Vista, a porta deles não era onde é a portaria do Teatro Sérgio Cardoso, era na rua de trás. Hoje essa rua são os fundos do teatro, sendo a rua Conselheiro Ramalho. Porque, entre o teatro e a rua Rui Barbosa, onde é a entrada do Teatro Sérgio Cardoso, a Rui Barbosa era uma rua fininha, não era uma rua ampla como é hoje. Tinha casas, tinha outras construções atrás do teatro. Bom, depois desse tempo todo eles inauguram o Teatro Bela Vista em 1956. Em 1970, quinze anos depois, ela realmente perdeu o teatro, os donos do terreno não quiseram mais reformar o contrato de aluguel. E os proprietários quiseram fazer um supermercado ou um estacionamento, alguma outra coisa ali. Eles queriam derrubar o teatro. Daí, foi a grande briga dela. O meu pai já tinha morrido há muitos anos, ela estava sozinha nessa briga, mas conseguiu fazer o governo do estado de São Paulo se interessar por manter aquele espaço como teatro, desapropriar aquele terreno dos donos e manter aquele edifício como teatro. Ele foi totalmente reformado. Agora, a entrada não é pela rua de trás, é pela Rui Barbosa. Agora o teatro é outra coisa, outro edifício. Hoje em dia é um teatro do estado de São Paulo, é um teatro público, não é mais privado. Ela conseguiu que o governo fizesse isso e desse o nome de Teatro Sérgio Cardoso em homenagem a ele, um dos idealizadores dessa casa de espetáculos. Ela fazia parte da Comissão Estadual do Teatro e ela conseguiu que a apoiassem nisso e ela conseguiu. Foi muito, muito bonito.

A Nydia se dedicou ao teatro infantil com o intuito de aproximar os pequeninos dessa arte. Era um sonho antigo dela desde quando iniciou sua carreira nos palcos?

Eles, quando criaram a companhia Nydia Licia Sérgio Cardoso, no Teatro Bela Vista, começaram a fazer alguns espetáculos infantis. Eram poucos e não era, assim, a linha principal do teatro. A linha principal era um teatro para adultos, mas eles começaram a fazer uma série de espetáculos infantis e, quando ela ficou sozinha, fez muito teatro infantil, daí a linha começou a criar corpo. E, quando ela deixou o Teatro Bela Vista, resolveu se dedicar totalmente ao teatro infantil. Ela acreditava que “você precisava criar público” e, para criar um público de teatro, que gostasse de teatro, você teria que começar com as crianças. Depois que a pessoa já é adulta, é difícil que se interesse por teatro se ela nunca se interessou quando criança. Então, começou a fazer teatro infantil em outros lugares, inicialmente em um salão de uma igreja, na rua Tutóia, perto da 23 de maio. Depois, em um colégio na rua Domingos de Morais que tinha um auditório bem grande. Ela alugou esse auditório, durante muitos anos, para realizar só peça infantil. Fazia convênio com as escolas, trazia as escolas de ônibus durante a semana para assistir teatro, era uma atividade das escolas. Principalmente das escolas públicas, que vinham durante a semana. Ela fazia um espetáculo para escola.

Ambientes internos do Teatro Sérgio Cardoso. Foto René Fernandes Arquitetos


A partir de 2004, o teatro foi administrado pela APAA [Associação Paulista dos Amigos da Arte]. Devido à Covid-19, pandemia que acomete o mundo, o espaço conhecido por receber musicais, peças de teatro e até premiações celebra seus 40 anos de maneira adaptada, com apresentações on-line. Você está acompanhando a websérie do Teatro Sérgio Cardoso?

Eu tenho acompanhado, inclusive recebo toda informação do que passará. Sempre em uma sexta-feira. É triste ver o espetáculo sem público, mas hoje em dia não tem outra maneira. Eu acho que para eles é bem triste, eles queriam fazer uma comemoração muito significativa porque são 40 anos. Eles estavam programando várias coisas para o dia 13 de outubro, mas não vai ser possível ter público ainda, eu acho. Mas eu acho uma excelente iniciativa pelo menos para manter as pessoas ligadas no teatro e nessa comemoração.

Tem alguém que você gostaria de ver nessa comemoração on-line?

Olha, eu queria ver o público. Eu queria ver lá teatro de novo. Porque é uma casa de espetáculos para teatro, principalmente, apesar de ela ter sido concebida uma casa multi... multiatividades? Foi concebida para ter dança, música, teatro, exposições até. Várias coisas podem ser realizadas naquele teatro, naquele espaço. Mas eu gostaria de ver teatro de novo. Tenho saudade. Já acompanhei muita coisa lá também. E tenho essa saudade de ir lá, assistir alguma coisa.

Como você se sente vendo o teatro completar 40 anos neste país em que vivemos hoje?

Acho que não é nem nesse país. Acho que é o fato de a gente estar numa pandemia, de que as orientações que são dadas dependem de muita coisa. Não depende da vontade de ninguém, depende da situação da pandemia, da doença, da incidência, da mortalidade. E das políticas públicas que fecham e abrem de acordo com esses gráficos. Então, eu acho que o problema maior é esse, a gente tá no meio de alguma coisa inesperada que ainda não sabe quando vai acabar.

Ambiente interno do Teatro Sérgio Cardoso. Foto: Site Teatro Sérgio Cardoso

Os netos seguiram a profissão dos avós?

Não em termos de atuação. O meu filho mais velho, ele é artista plástico, mas hoje em dia é professor de artes em um colégio aqui em São Paulo. E faz artes, pinta algumas coisas por conta própria. O meu segundo filho é músico e agora ele foi morar no Canadá, vai fazer a carreira de músico dele lá no Canadá, não sei como vai ser lá. Aqui ele já tinha uma carreira de vários anos, mas agora ele vai ter que começar tudo de novo no Canadá. Os dois foram para essa área artística, área para a qual eu não fui. Áreas diferentes dos meus pais.

Existe alguma história familiar memorável deles que você tem como uma lembrança afetiva e pode compartilhar conosco?

Tem tantas! Eu estava olhando algumas coisas agora. O que eu gostaria de compartilhar nesse momento, em termos afetivos, é que um ano antes de ele morrer, em 1971, nós três, ele, minha mãe e eu, fizemos uma viagem para a Itália. Minha mãe é italiana de nascença, ela nasceu na Itália e veio para o Brasil aos 12 anos. Ela nunca mais tinha voltado para a Itália, então foi a primeira vez que ela voltou para lá e fomos nós três. Foi uma viagem muito emocionante porque ela reviu a casa dela, nós fomos até a cidade onde ela nasceu, se chama Trieste. Conseguimos entrar na casa, viajamos pela Itália, visitamos a família dela, que nunca mais tinha visto. E ele já estava fazendo televisão, lógico, né? Era 1971, nessa época estava entrando a televisão colorida no Brasil. Então, nessa viagem que fizemos para a Itália, ele seguiu para a Alemanha, porque a tecnologia de televisão a cores era alemã, e foi aprender a fazer maquiagem para a TV colorida na Alemanha. Foi uma viagem para ele um pouco profissional e para minha mãe um pouco saudosista, de ver a casa dela. E, para mim, uma experiência de conviver com os dois depois de tantos anos que eles estavam separados. Eles já estavam se dando bem de novo, estavam, para fazer uma viagem dessas. Desfrutamos muito dessa viagem e não sabia que, menos de um ano depois, ele estaria morto. Foi uma das últimas vezes que a gente ficou bastante tempo juntos, os três.


Revisão ortográfica: Anne Preste


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