Letieres Leite dos Santos, nascido em Salvador, é arranjador musical de artistas consagrados nacionalmente como Ivete Sangalo, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Maria Bethânia e Iza. O multi-instrumentista possui mais de 30 anos de experiência com a música, buscando extrair o que de melhor os instrumentos musicais podem oferecer em uma sucessão de sons, harmonicamente ou não. Seu talento já lhe rendeu a participação em um dos maiores festivais da música, o Rock in Rio (em 2015), com a Orkestra Rumpilezz, junto do cantor Lenine. Aliás, o músico possui mais de 20 prêmios no cenário musical.
Antes de a música se tornar seu meio de subsistência profissional, o músico iniciou nas artes plásticas, com a qual ele estiliza algumas de suas apresentações, provando que a arte sempre esteve consigo. Hoje em dia, trabalha com a produção musical de projetos pessoais e de terceiros. Em entrevista, Letieres fala como se desenvolveu sua carreira musical.
Como se deu sua escolha para trabalhar com música?
Quando eu tinha 19 anos, até então eu era artista plástico, aluno da universidade federal, a UFBA, de artes plásticas. Prestei vestibular para artes plásticas com 17 anos. Quando comecei a tocar no movimento estudantil, apareceu uma flauta e a partir daí os pincéis não tiveram mais importância como a música teve. A música tomou conta. Fui tragado pela música e acabei trancando o curso de artes plásticas.
Viajando de carona e com a flauta na mão, ele conheceu um grupo de músicos em Passo Fundo. Viajou com o grupo para Florianópolis a trabalho, inicialmente por dois meses, o que se estendeu por dois anos. Foi nessa cidade que começou a ter ascensão profissional?
Então, Florianópolis foi muito importante para minha formação profissional. Entrei numa banda de baile e de show criativo muito boa. O que para mim, é base da minha música instrumental. Foi o primeiro reduto onde pude praticar música instrumental, chamava-se Banda Nêutrons. Muitos artistas conhecidos saíram dessa banda, como o músico Alegre Corrêa, que é um guitarrista que mora entre Viena e Santa Catarina. Ele é um dos que foram comigo para Viena também. Então, Florianópolis foi o momento de firmar gravando disco, propaganda, televisão, tudo aconteceu aí.
Por que vislumbrou a ida para outros países para aprender sobre música?
Com a música não consegui entrar na escola, não foi possível entrar no curso e até agora para mim, é um grande mistério, mas foi assim que aconteceu no Brasil. Virei profissional produzindo por fora. Depois de alguns anos, quatro anos, que eu consegui prestar exame numa escola e finalmente numa academia, mas isso foi no exterior, na Europa.
Em 1985, você foi para Viena para estudar e o que aprendeu sobre música nesse país?
Foi em uma escola em Viena, no Conservatório Franz Schubert de Viena, Áustria. Depois estudei em vários cursos em um período… Aliás, a própria cidade, ela convida você a estudar. Tem muita escola de música, muito músico de todos os cantos. E estudei muito com meus colegas que conheci na rua. Foi importante para me dar um norte no que estava desejando embasamento teórico, embasamento que eu não tive a oportunidade de estudar no Brasil.
Você sendo responsável pela releitura das músicas da cantora Elza Soares, a música que leva o nome da artista. E, também lhe rendeu o Prêmio Shell de Música de melhor arranjo original em musicais. Qual sugestão ela deu para realizar o trabalho?
Tive muita liberdade com Elza. Eu me lembro que, quando conversei com Elza Soares, a preocupação dela era que não fossem [utilizados] os arranjos antigos. Ela falou: “Não quero nada careta!”. Coisa contemporânea. Ela dizia: “Não quero que repita os arranjos que já foram tocados”. Para eu estava ótimo. Uma cantora como Elza para mim, é instigante, porque ela é uma cantora da tradição da música brasileira com uma visão contemporânea da música. Ela está completamente inteirada do que está acontecendo. Para mim, foi uma experiência inesquecível.
Arranjador de músicas de artistas consagrados nacionais como Ivete Sangalo, Gilberto Gil e Caetano Veloso, como é o trabalho de arranjador musical?
Criamos o arranjo conforme a possibilidade e a capacidade do músico. Antes a gente faz uma sessão para conhecer os músicos, rapidamente você entende o nível, a limitação, o talento, a expressão, onde ele tá. Os arranjos são criados feito roupa de alfaiate, justinho para cada um. A pessoa que está tocando é a que dá o acabamento, que dá energia. Inclusive, eu sou da política de que não se deve tocar, interpretar a música só como o arranjador fala. O arranjador dá o caminho, um contorno, ele dá uma cor. Mas é importante que a pessoa coloque de si, é importante que a pessoa coloque sua energia para que a música se potencialize.
Tem alguma artista com quem você deseja trabalhar?
Bom, tem um artista com quem faz tempo que eu gostaria de trabalhar. Mas tem uma coisa que parece que faz as agendas não darem certo por diversos fatores. Tenho admiração, eu acredito que a beleza da música brasileira se deve muito à presença desse artista. Julgo que posso chamá-lo de divino: é Milton Nascimento. Tenho muita vontade de fazer algo na obra de Milton Nascimento. Já trabalhamos com Gilberto Gil, que tenho como farol, já fizemos trabalho com Caetano Veloso, que é outra referência incrível. Com Dorival Caymmi também nós fizemos.
E a experiência do Rock in Rio?
Fomos para o Rock in Rio duas vezes, com Lenine e com a Nação Zumbi. Mas Milton tem uma coisa que mexe muito comigo, muito, muito. São impressionantes as melodias dele. Mas quem sabe…
Sua paixão pela música e pelo ensino se expande com a criação da Orkestra Rumpilezz em 2006. Rumpilezz significa a junção dos nomes de três tambores afro-brasileiros (rum, rumpi e le) com o zz do jazz. Criativo do nome da obra até realizá-la, Letieres Leite fomenta nos aprendizes de música não apenas a leitura de partituras; ensina desde a raiz da sonoridade até sua experimentação. Em Gravatá, cidade da Bahia, nos 1980, Letieres Leite já tinha várias instruções rítmicas que obteve em um colégio público de Salvador chamado Severino Vieira, no bairro de Nazaré. Tocando em uma orquestra afro-brasileira criada por Emília Biancardi, teve como professor Moa do Katendê (1954-2018), um dos seus mentores na percussão. Após seu retorno da Europa, Letieres torna a compor matrizes africanas.
Quando surge a ideia de criar uma orquestra?
A ideia surgiu em 1980, de criar uma orquestra de composições. Já fiz tudo isso com essa base usando a intuição, livros de amigos, tudo desorganizado. Até então, não pensei em usar as matrizes africanas como padrão para minha composição. Já realizava música instrumental, mas era o que se fazia na época com influência de todo canto: música do jazz, funk, samba. Foi a minha ida para a Europa, foi o meu encontro com o ensino e com os músicos, com o norte da África que conheci. Principalmente com Cuba, músicos cubanos. Foi quando comecei a procurar meu quintal. Porque eu não ia fazer samba, todo mundo já fez samba. Baião: o que eu ia elaborar com o baião? O que ia fazer com o frevo se Hermeto Pascoal já fizesse tudo! O compositor Hermeto Pascoal fez tudo, tudo, não deixou nada para ninguém [risos]. Aí falei: quer saber de uma coisa? Farei o que aprendi.
E Rumpilezzinho, também é uma escola?
A Rumpilezzinho não é bem uma orquestra. Rumpilezzinho seria o seguinte: eu sempre tive uma tendência à educação. Na Europa dei muita aula de música brasileira. No Brasil eu tinha um grupo de jovens de rua para quem dávamos aula na rua, numa escadaria. Eram jovens que viviam em situação de risco para quem ensinávamos dramaturgia, teatro, música. No meio da rua, na praça pública. Desde então, criei paixão em dar aula no âmbito social, né! Para jovens. E criei dentro da Bahia o projeto Rumpilezzinho, de 2004 até 2008, por aí. Com o tempo de manter e a gente parou, depois voltamos em 2014.
Rede social de Letieres Leite:
Assista o vídeo com Letieres Leite, Orkestra Rumpilezz e Lenine apresentando a música Paciência (Ao vivo no Rock In Rio 18.09.2015)
Revisão ortográfica: Anne Preste