“Creio em Deus Pai, em Mozart e em Beethoven, assim como em seus discípulos e apóstolos. Creio no Espírito Santo e na verdade da arte, una e indivisível. Creio que esta arte tem origem em Deus e vive no coração de todos os homens iluminados pelo céu. Creio que, quem sentiu uma só vez suas sublimes doçuras, se transforma e jamais será um renegado. Creio que todos podem alcançar a felicidade através dela. Creio que no juízo final serão afrontosamente condenados todos os que nesta terra se atreveram a comercializar com essa arte sublime, a qual desonram por maldade de coração e grosseira sensualidade. Creio, ao contrário, que seus fiéis discípulos serão glorificados numa essência celeste, radiante, com o brilho de todos os sóis, no meio dos perfumes e acordes mais perfeitos, e que estarão reunidos por toda a eternidade na divina fonte de toda harmonia. Oxalá me seja concedida tal graça! Amém.”
Estas palavras, conhecidas como o “Credo de Wagner”, dizem muito sobre o genial músico alemão que revolucionou os conceitos musicais vigentes.
Wagner buscava unificar todas as artes, para que, de formas irmanadas, pudessem ultrapassar as linguagens verbal e escrita, criando uma linguagem musical que, ao falar diretamente aos sentimentos das pessoas, as ultrapassaria.
Em suas obras não há só música e sim, reunidas, estão poesia, literatura, teatro, pintura, arquitetura e até mesmo a filosofia.
Inspirou-se nos elementos contidos na história e nas lendas do povo germânico, e na cultura que realmente os identifica, para transportar sentimentos, como ele mesmo diz, a um nível universal.
Seus dramas musicais – pois ele não os chamava de óperas – tinham uma estrutura diferente do que até então se apresentava. A ação se desenvolvia de forma contínua e não por sucessão de árias, coros e outros artifícios que, no seu entender, só prejudicariam a unicidade.
Ele mesmo escrevia seus libretos e até hoje se discute o que, no seu processo de criação, viria primeiro, a música ou o tema que seria desenvolvido; ou seria tudo ao mesmo tempo?
Wagner criou o “leitmotiv”, tema melódico ou harmônico que caracteriza um personagem, um lugar e, até mesmo, um objeto, uma ideia, uma força sobrenatural ou um estado de espírito. Seus acordes invertem o que normalmente se usava, iniciando com a tensão até chegar ao repouso.
Sua primeira obra, As Fadas, revela certa imaturidade musical, própria de seus tempos juvenis, mas já traz em si a marca do que seriam as próximas criações wagnerianas. Já se nota sua atração pelos mistérios, pelo vínculo entre os deuses e os homens e pela presença de heróis míticos.
Seu drama seguinte, A Proibição de Amar, na realidade espelha sua atribulada vida amorosa, mas é em Rienzi – O Último dos Tribunos que aflora sua visão político-filosófica, com o surgimento do personagem do líder idealista, único que, ao contrário das revoluções, pode transformar a nação de maneira ordenada e eficaz. Embora o personagem Cola Rienzi seja real e fora objeto de obras literárias, sua trajetória, transportada para o drama musical, foi inadvertidamente apropriada por correntes ideológicas modernas.
Em O Navio Fantasma, também conhecida como a lenda do holandês errante, aparecem pela primeira vez, os leitmotiven que dão vida a personagens e situações num drama em que o protagonista, vítima de uma maldição, erra pelos oceanos, só podendo se aproximar da terra, apenas por um dia, de sete em sete anos, quando busca no amor de uma mulher a sua redenção. Trata-se de uma obra recheada de interpretações metafísicas.
Wagner chega ao apogeu com seus dramas seguintes, todos eles baseados em míticos heróis, amores impossíveis, vilões que conspiram e traem e pela redenção só encontrada no amor.
Lohengrin é a história de um duelo suportado pela honra. O herói, sem que ninguém o conheça, oferece-se voluntariamente para lutar pela honra de uma dama e somente no final, quando vence, revela sua identidade: é filho de Parsifal – o rei do Graal, que será objeto de um futuro drama musical de Wagner – e Lohengrin identifica-se então como um cavalheiro que está em busca do Santo Graal.
Tannhäuser pode ser sintetizado como a busca pelo amor espiritual. O herói inebriado pela voluptuosidade da deusa Vênus, não se contenta em apenas satisfazer os sentidos e parte em busca do verdadeiro amor. Num duelo de cantores cujo prêmio é sua amada, Tannhäuser enfrenta cantores que falam do amor espiritual sem nunca terem vivido o que procuram transmitir. Somente ele, que abandonara o palácio de Vênus, pode distinguir uma coisa da outra e dar-lhe o verdadeiro valor.
Tristão e Isolda é a dramatização musical de uma das histórias mais conhecidas da Idade Média. Baseada em uma lenda celta trata mais uma vez do amor impossível que serviria de mote para inúmeras outras obras. Amor que só se concretiza com a morte dos amantes. As vicissitudes da vida estão ali representadas nas figuras irmanadas de Eros e Tânatos.
O Anel dos Nibelungos é uma tetralogia que custou a Wagner 26 anos para compor. Suas quatro partes, encenadas em até 15 horas, são: O Ouro do Reno que trata da disputa entre o deus Wotan e forças tenebrosas, em luta pelo poder que deu origem ao mundo, numa batalha entre o bem e o mal.
A Cavalgada das Walquírias fala de um exército de virgens guerreiras, muito comum na mitologia nórdica, que são usadas por Wotan para atingir seus objetivos. Cavalgando com seus escudos que brilham à luz do Sol, são responsáveis pela visão mitológica do que seria a aurora boreal.
Siegfried, outro herói nórdico que retrata a busca do poder através de um anel mágico, numa encenação que envolve ouro, deuses, gigantes, gnomos e dragões numa exploração épica do desejo humano, ambição e loucura.
O Crepúsculo dos Deuses encerra a tetralogia de forma grandiosa. A saga do anel continua, assim como o papel das Walquírias e de Siegfried, mas ali estarão presentes a renunciação a voz do dever e a justiça divina. A cena final é grandiosa: o fogo consome o cenário, o rio Reno transborda levando consigo as ninfas. A guerra termina com o fim dos deuses e de suas moradas.
Recomenda-se assistir à encenação do O Anel dos Nibelungos parte por parte, porém, de preferência, não se dando grande intervalo de tempo entre elas, pois, no estilo wagneriano, a história é sequencial.
Parsifal reflete a imortal, a inacabada luta entre o bem e o mal, entre a luz e as trevas. Parsifal, o herói, o cavalheiro que persegue o Graal supera todas as dificuldades materiais e imateriais e ainda resta-lhe energia para a vitória do amor, do perdão, da redenção e da compreensão de que somos todos irmãos.
O jovem rei da Baviera, Ludwig, quando adolescente assistiu a uma encenação de um drama musical de Wagner e se apaixonou tanto que chegou às lágrimas. Anos mais tarde, ao se tornar rei, viajou de forma clandestina para assistir Tannhäuser, uma de suas peças preferidas, encenada no cenário autêntico. Quando rei, uma de suas primeiras providências foi chamar Wagner, oferecendo-lhe uma residência em Munique e uma promessa de construir um teatro só para ele. Wagner ali permaneceu por um ano, porém, sucumbiu à inveja da corte que reclamava do excesso de proteção dada pelo rei e pelos rumores de que o compositor, nos seus tempos de juventude, sempre fora um democrata que queria extinguir a monarquia.
O rei Ludwig construiu o castelo de Neuschwanstein que hospedaria Wagner e contratou renomados pintores para ilustrar as paredes com quadros e murais, além de criar uma sala que reproduz exatamente o salão dos cantores de Parsifal, o salão de Lohengrin, o dormitório de Tristão e Isolda, a sala de despacho de Tannhäuser e a representação de outras sagas de heróis germânicos e nórdicos.
Não é a toa que Neuschwanstein viria, futuramente, inspirar a construção do castelo de Cinderela no mágico mundo criado por Walt Disney.