Música acalenta a alma

Por Cleo Brito

08.06.2020

Vim de uma família com pouca formação escolar, mas com uma cultura musical sempre presente, por meio dos acordes do violão do meu pai e nas vozes de meus tios – Elias, que cantava Vicente Celestino, e Carlos (mais conhecido como Sinhô) –, que cantava Noel Rosa e Herivelto Martins.

Era, literalmente, em volta de uma mesa redonda que aconteciam esses deliciosos encontros. Não esquecendo nunca as músicas regionais como as de Luis Gonzaga e outros. Assim, a música começou a ser forjada em minha vida.

Por conta da proximidade de casa, fui estudar no "Oratório Anjo da Guarda", um colégio considerado de elite. Quando lá cheguei, em razão da timidez, me senti um peixe fora d'água e recuei das demais meninas. Esse recuo não me incomodava, pois viajava ouvindo a música que tocava no pátio durante o recreio, uma melodia que muito me emocionava, cujo nome identifiquei mais tarde. Era o "Concerto para piano e orquestra Nº 1 em Si bemol menor, op. 23”, do compositor Piotr I. Tchaikovsky. Na hora do lanche, sentada no parapeito da janela do auditório do colégio, algumas vezes ouvia as freiras ensaiando para o coral. Um estilo musical que, apesar de não ser familiar, muito me encantava e sentia como se fosse um bálsamo para a alma.

Com o decorrer do tempo, a aproximação com a música clássica foi aumentando. O primeiro contato presencial foi no Theatro Municipal de São Paulo, quando assisti "La Traviata", de Giuseppe Verdi. Senti grande emoção, como se pertencesse àquele lugar, assistindo a tão belo espetáculo.

Além de peças líricas de Verdi, assisti também a outras de compositores como Richard Wagner, Giacomo Puccini, Pietro Mascagni, Ludwig van Beethoven, Wolfgang Amadeus Mozart e do brasileiro Antonio Carlos Gomes, que escreveu muitas óperas, reconhecidas mundialmente. Aqui no Brasil é mais conhecido pela obra "O Guarani", baseada no livro homônimo de José de Alencar. A abertura desta obra é tema do programa de rádio "A voz do Brasil", desde 1935.

Carlos Gomes nasceu em Campinas, Estado de São Paulo, onde era conhecido por Nhô Tonico, nome com que assinava suas dedicatórias. Quando muito jovem, seguiu para Santos, montado em um burro, e disse ao seu irmão José Pedro: "Só voltarei coroado de glória ou só voltarão meus ossos!"

Lá chegando, embarcou em um navio para o Rio de Janeiro, rumo ao seu glorioso destino. Foi o primeiro compositor brasileiro a ter suas obras apresentadas no renomado Teatro Alla Scala, em Milão, na Itália.

Patrono da cadeira número 15 da Academia Brasileira de Música, muita gente desconhece sua origem mestiça – vários registros foram maquiados. Fala-se, inclusive, que Carlos Gomes usava um bigode para esconder a grossura dos lábios e não ser caracterizado como mulato.

Visitando o monumento a Carlos Gomes – inaugurado em 12 de outubro de 1922 – na Praça Ramos de Azevedo, em São Paulo, Pietro Mascagni estranhou a fisionomia do maestro, seu amigo, esculpida no bronze. Na realidade se tratava do busto do General José Gomes Pinheiro Machado. Não se conteve e foi procurar o Sr. Washington Luís, que a princípio se mostrou incrédulo, só se convencendo com provas. O governo mandou retirar o busto e substituí-lo pelo verdadeiro. Devido à insistência de Mascagni, hoje podemos ver a estátua verdadeira junto ao Theatro Municipal de São Paulo.

Monumento a Carlos Gomes na Praça Ramos de Azevedo, em frente ao Theatro Municipal de São Paulo.

No silêncio cultural em que vivemos, a vibração dos grandes mestres toca a nossa alma, reforçando a esperança na humanidade por meio desses grandes gênios da cultura.


Obras de Carlos Gomes (1836-1896)

  • A Noite do Castelo (Rio de Janeiro,1861)

  • Joana de Flandres (Rio de Janeiro,1863)

  • Il Guarany (Milão, 1870)

  • Fosca (Milão, 1873)

  • Salvador Rosa (Genova, 1874)

  • Maria Tudor (Milão, 1879)

  • Lo Schiavo (Rio de Janeiro, 1889)

  • Condor (Milão, 1891)

  • Colombo (Rio de Janeiro, 1892)



Revisão: Maitê Ribeiro
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