A importância do cuidador no acompanhamento de doentes crônicos

por Vera Bifulco

18.12.2019

Com o avanço da medicina, muitas doenças passaram a ter opção de tratamento que melhora a qualidade e a quantidade de dias de vida do paciente com doenças crônicas. Nesse contexto, o câncer e outras patologias graves, incluindo as demências, passaram a ser consideradas como doenças crônicas. Com a fase de envelhecimento mais longa, surgem mais enfermidades e por isso a figura do cuidador ganha destaque.

No início do século passado, a expectativa de vida média era de 40 a 50 anos, enquanto hoje, no primeiro mundo, já atinge os 75 anos ou mais.

Morria-se de doenças agudas, com poucos dias de doença. Hoje, as causas prevalentes de morte são doenças crônicas, que podem durar anos.

As doenças cujo fator de risco é a idade tendem a elevar a sua prevalência; um exemplo típico é a doença de Alzheimer. Estudos em diversas partes do mundo demonstram que a existência de demência pode variar de 0,3 a 1% em pessoas entre 60 a 64 anos, aumentando de 42 a 68% em indivíduos com 95 anos ou mais. Pode-se dizer que a prevalência de demência quase dobra a cada cinco anos, depois que o indivíduo ultrapassa os 65 anos. A doença de Alzheimer é a causa mais frequente de demência.

Diagnóstico das demências

O diagnóstico é predominantemente clínico e a anamnese é parte fundamental. O exame físico é incaracterístico nas fases iniciais, assim como os exames laboratoriais e métodos de imagem. O diagnóstico conclusivo da maioria das síndromes demenciais só é feito pelo exame neurológico, por análise histopatológica do tecido cerebral post-mortem. É muito importante a distinção entre quadros de depressão com déficits cognitivos e demência com sintomas depressivos, e por isso a avaliação e o acompanhamento médico são imprescindíveis.

A demência é uma doença progressiva, incurável, mas com uma sobrevida mediana que varia de 3 a 12 anos após o diagnóstico, sendo a maior parte desse tempo nas fases mais avançadas da doença. Em pacientes com demência avançada, o último ano de vida é caracterizado por uma trajetória de debilidade persistente e severa. A demência de Alzheimer é a doença em Cuidados Paliativos mais longa que se tem conhecimento.

Assistência ao cuidador

Os efeitos psicossociais da doença fazem do cuidador uma importante entidade no contexto das investigações científicas acerca da Doença de Alzheimer e da consequente sobrecarga, termo traduzido da língua inglesa e conhecido internacionalmente como burden — sentimento de sobrecarga experimentado pelo cuidador ao realizar uma gama de atividades potencialmente geradoras de estresse e efeitos negativos.

São situações de esgotamento do cuidador (burn out) e uma forma particular de “fadiga por compaixão”, que levam a quadros de alterações psicoafetivas, insônia, quadros de depressão e maior susceptibilidade a infecções e alterações metabólicas decorrentes das elevações nos níveis de cortisol em função do estresse crônico.

Nesse cenário o cuidador tem papel fundamental no tratamento e no suporte diário contínuo dos pacientes. É comum observar na experiência clínica que pessoas acompanhadas por um cuidador mais bem preparado e com uma atitude mais positiva frente à doença costumam exibir um curso clínico mais favorável.

O cuidado que objetiva a integralidade do ser humano envolve compromissos, trabalhos e um ato supremo de doação.

Conceitualmente o cuidador é aquela pessoa que se predispõe a acompanhar o paciente que necessita de cuidados contínuos. Existem dois tipos de cuidadores: o cuidador formal, pessoa que exerce a função e tem qualificação para isso, e o cuidador informal, aquele que surge espontaneamente dentro da família ou comunidade como a pessoa mais indicada e/ou disponível no momento para exercer essa função.

Uma das formas de cuidar é adquirindo conhecimentos sobre o assunto. Só se cuida do que se conhece, o conhecimento é a base do cuidar. Cuidar é, portanto, elemento essencial dos fenômenos envolvidos nas relações que se estabelecem entre viver e morrer.

“A doença é apenas um ponto de partida e a cada dia vai perdendo sua importância no cenário. Importa o doente, suas necessidades, seus anseios, seus amores, sua vida.

Essa é a mudança mais importante na relação entre o profissional de saúde, o paciente e sua família.

Essa mudança se aprende com o tempo.”

Os cuidados nas demências têm uma especificidade diferente das outras doenças, ele se dirige a ajudar as decisões do CUIDADOR. Mal conseguimos decidir sobre nossas vidas, o que dirá garantir e assegurar decisões que comprometem a vida do outro, pior ainda, quando o outro é parente próximo e pessoa amada por nós.

Conclusão

O tipo de morte e as condições nas quais se deu a perda influenciarão sobremaneira toda a família no trabalho de elaboração do luto. Decisões de final de vida jamais deveriam ser deixadas para o fim. O processo de demência é longo, mas geralmente culmina em questões cruciais para os familiares e/ou cuidadores. Decidir não é algo tão fácil, ainda mais quando a decisão recai sobre a vida de alguém com quem temos vínculos. Se o portador de demência ou qualquer outra doença morre bem, com serenidade, sem sofrimento, os que ficam ficarão bem, sentirão tristeza, mas há o conforto de saber que tudo foi feito, nada ficou a haver; caso contrário, teremos sobreviventes com um luto complicado que arrastarão essa culpa até o fim de suas vidas. Medidas por certo que poderiam ser evitadas. Vidas ceifadas pela culpa têm difícil recomeço, e a vida, independentemente das doenças, mortes, perdas, tem de continuar. Quando trabalhamos o luto antecipatório damos condições tanto para a família quanto para o paciente de lidar com decisões, questões pendentes em tempo hábil de possíveis soluções.

Luto antecipatório são todas as perdas advindas do adoecer antes da morte física. No caso das demências, o luto é mais bem entendido como uma vivência de perdas ambíguas e que gera sentimentos com ambivalência de emoções (reações ambíguas), que podem se manifestar de sutis a graves, afetos confusos, muitas vezes paradoxais: alívio e culpa, remorso, exaustão, solidão, esperança de que tudo volte a ser como era antes, e muitos outros. O luto de um cuidador de portador de DA (demência tipo Alzheimer pode ser definido como: “Um trabalho de desconstrução da presença e reconstrução da ausência”.

Nas últimas décadas, tentativas de encontrar tratamento eficaz se concentram em grande parte na busca de novos medicamentos que retardem o máximo possível a evolução da doença, o foco atual como grande diferencial no tratamento das demências mudou da tentativa de curar para a excelência no cuidar. Sabe-se agora que, dependendo da qualidade desse cuidar, o portador pode apresentar uma melhor evolução de seu quadro clínico e um retardamento na sua evolução. Isso se deve a esforços multiprofissionais que agregam saberes de outras especialidades no cuidar de pacientes portadores de DA. Especialidades como psicologia, fisioterapia, fonoaudiologia, nutrição, enfermagem, odontologia, serviço social, e até a intervenção do advogado, para questões legais de intervenção e curatela, podem fazer a grande diferença na qualidade tanto para o portador como dar subsídios para a família e ou cuidadores estabelecerem uma melhor qualidade no cuidar. A angústia sentida pelos familiares pode ser mitigada por um bom tratamento, grupos de apoio e a proximidade dos amigos e da família. Dessa etapa tortuosa a grande lição que fica é o sentido que foi dado ao ato de cuidar e o quanto crescemos como seres humanos nessa doação e das lembranças reconfortantes do que significamos uns para os outros.

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Revisado por Maitê Ribeiro