A filha perdida


As férias pacatas de uma mulher mudam de rumo quando sua obsessão por uma jovem mãe hospedada nas proximidades traz à tona antigas lembranças.


Vera Bifulco

09.01.2022

Olivia Colman em "A Filha Perdida" - Netflix/Divulgação

O tema maternidade nessa película “joga” com o questionamento, será a maternidade um dom de todas as mulheres? Ser mãe é algo acalentado por todas as mulheres? As mulheres se realizam plenamente nesse papel?

Cada leitor dará sua resposta, acredito eu, levado por sua experiência ímpar.

O filme trata resumidamente e sem dar spoiler, de todos os sentimentos ambíguos que norteiam a maternidade. Há ganhos e perdas como tudo na vida, quase que seguindo uma lei universal, não podemos ter tudo ao mesmo tempo.

A questão é que quando esses sentimentos afloram deveriam ser trabalhados em seu merecido tempo. O que não é trabalhado em tempo útil vai explodir, extravasar, eclodir num tempo futuro, sempre que uma experiência similar de vida transporte para o que não foi bem solucionado no passado.

Quando ganhamos um bebê, este não vem com um manual de instruções, nem técnico, nem emocional. Cada dia de trocas (e não só trocas de fraldas que fique bem esclarecido esse ponto), com essa criancinha é um mundo novo que se descortina, para a mãe, mas não só ela, para todo o cenário onde essa maternidade aconteceu.

Ganha-se um lindo bebê e perde-se seu lugar no tempo, a vida de agora em diante não te pertence mais, há um serzinho que na hierarquia das prioridades deve ser pensado primeiro e isso para muitas mulheres e homens, mães e pais, requer um sacrífico extremado.

Olivia Colman em cena do filme - Netflix/Divulgação

Como lidar com os múltiplos papéis que se exige, principalmente da mulher, numa sociedade atual. Ela deve ser bonita, bem-sucedida, mãe extremosa, companheira amorosa, dona de casa perfeita, intelectual atuante, profissional de destaque e por aí vai. Impossível ser tudo isso ao mesmo tempo, é sobre humano. E se a sociedade não exige, talvez ela própria em seu inconsciente luta para ser. As redes de apoio cada vez mais frágeis e difíceis dificultam esse processo.

Nas lembranças da protagonista há muito amor envolvido, muito prazer, mas também exaustão, períodos de abandono, curtos e longos, insatisfações e tentativas de resgate, isso permeia suas memórias até o fim.

Os tempos mudaram, sim mudaram, os pais (homens ou não) se mostram mais compreensíveis, atuantes, participativos, sim, mas ainda uma minoria.

Não há mulher mãe que não se reconheça nessa história, uma parte sua e talvez ainda leve consigo sentimentos de culpa e remorso além de sofrimento.

Um filme feito por mulheres, seja na direção, como na obra homônima na qual foi baseada.

Aqui vale ressaltar a magistral interpretação de Olívia Colman, sem ela, por certo, o filme não teria o mesmo brilho.

Há muito simbolismo em cada cena, muitas reflexões e interpretações, assim vale ressaltar que os olhares serão sempre divergentes para cada público.

Quem escreve essa resenha é uma mãe de três filhas, adultas agora, já com netos, que teve no papel de mãe seu melhor papel, mas que foi obrigada a renunciar a muitas outras coisas para exercê-lo. Guardei todos os meus outros papéis para serem vivenciados num tempo futuro, tive a sorte de me realizar nesse tempo que me esperava ansioso, mas tive de perder tantas outras coisas também. A vida é feita de escolhas, não há perda sem ganho e vice-versa.

Assista o trailer:

Revisão ortográfica: Leilaine Nogueira


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