The Father (O Pai)


Os filhos estão nos nossos projetos de vida.

Nós não estamos nos projetos de vida de nossos filhos.

Vera Bifulco

03.04.2021
Olivia Colman e Anthony Hopkins

Primeiramente trata-se de um grande espetáculo, com interpretações magistrais, uma história que prima por apresentar o mundo das demências vista pelo portador, algo extremamente difícil até de se imaginar pois o próprio portador de uma demência não consegue ser claro e consciente do processo de desmemoriamento e perturbações mentais e cognitivas pelas quais está passando.

Um texto inteligente, sensível e teatral, sua narrativa instigante leva a diversas reflexões sobre o relacionamento de uma família desmantelada pelo destino por vezes tão cruel. Como lidar com as intempéries que a vida nos coloca?

Anthony Hopkins e Olivia Colman em cena do filme

Esta história é assim!

É a história de um pai com o mundo que o cerca.

Anthony tem 81 anos de idade e mora sozinho em seu apartamento em Londres, engenheiro aposentado, gosta de música, pai de duas filhas e supostamente viúvo.

Como geralmente acontece aos idosos que já se acostumaram a viver sozinhos, aprecia seu mundo e tudo o que sua intimidade conquistou, gosta da visita de suas filhas, mas gosta mais de se saber autônomo e independente assim recusa todos os cuidadores que sua filha Anne tenta lhe impor. Ele não entende e geralmente não entendem mesmo, do porquê dessa necessidade tão imperiosa, afinal sente-se bem, ocorrem parcos momentos de um certo desconforto, uma sensação de por vezes se sentir perdido, confuso, mas logo volta ou pensa que volta à normalidade.

Imogen Poots, Olivia Colman e Anthony Hopkins em cena do filme

Anne precisa ir morar em Paris e não pode deixar seu pai sem proteção, sem olhos humanos que olhem por ela quando de sua ausência.

Fatos estranhos começam então a acontecer, um desconhecido passa a morar com ele e a própria filha Anne se contradiz em suas histórias. Estaria ele enlouquecendo ou seria um plano sagaz de tirá-lo de casa?

O filme tem uma característica marcante, consegue colocar no espectador o mesmo olhar do protagonista, desta forma, o espectador também se confunde e se questiona, o que realmente está acontecendo, em quem acreditar?

Abordar o tema das demências é tarefa desafiadora, primeiro por serem várias, a mais comum é o Mal de Alzheimer, mas existe outras, cada uma apresenta um comportamento peculiar, algumas se iniciam com perda de memória, outras com mudanças bruscas de humor, são formas sutis e individuais de se manifestarem.

Não cabe aqui discorrer sobre as demências, mas o quanto não nos preparamos para envelhecer, adoecer e morrer. Nos nossos projetos de vida não colocamos coisas ruins e com isso quando as intempéries da vida batem a nossa porta nos pegam totalmente desprevenidos, nus, o que torna a situação ainda mais caótica.

Olivia Colman e Anthony Hopkins em cena do filme

Esse filme trata das relações humanas de forma sutil e delicada, o que vemos nesse grande espetáculo é a vida tal qual ela é, com suas histórias que ocupam cenários ímpares, singulares. The father comove e diverte ao mesmo tempo pois fala da vida, de nós, espectadores.

Os filhos crescem e precisam continuar a conduzir suas vidas, afinal foi para isso que os educamos, graduamos nossos filhos para a vida.

Os filhos estão nos nossos projetos de vida.

Nós não estamos nos projetos de vida de nossos filhos.

Outra reflexão a que o filme nos leva é a pergunta: O que acontece quando perdemos o alicerce da nossa identidade, quero dizer, a memória? Como lidar com alguém que amamos e não nos reconhece mais? Como será perder um ente querido estando ele ainda vivo?

Sem pesar, mas com realismo e serenidade deveríamos pensar, pelo menos durante ínfimos momentos de nossas vidas, no nosso envelhecimento e finitude e nos prepararmos para eles, tudo isso torna mais preciosa cada hora de nossa existência.

Assista o trailer:

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