Rosa e Momo

por Vera Bifulco

27.11.2020

"A humanidade é uma vírgula no grande livro da vida."

Embaralhar a linha entre ficção e realidade pode servir a muitos propósitos, de divertimento a sobrevivência. Para assistir a alguns filmes, você deve por alguns momentos suspender sua crença e aceitar as regras do jogo. Despir-se de julgamentos e entregar-se à história tal qual é narrada.

Particularmente acredito que é impossível conseguir avaliar o sofrimento pelo qual alguns seres humanos passam em fases de suas vidas, (imaginamos, mas estamos anos luz distantes do que realmente algumas criaturas vivenciaram e ainda vivem no decorrer de suas vidas) e as marcas profundas que trazem consigo após essas experiências vividas.

Nesta película, que mistura personagens tão diversos e de épocas, culturas, gêneros, e idades diferentes, há uma miscelânea de origens que se cruzam para formar uma história, e a partir desse encontro nasce uma nova história. O destino parece brincar com os personagens colocando-os em situações-limites. Sem possibilidades de fuga, eles precisam conviver custe o que custar, e dessa convivência brotam situações inusitadas que os obriga a se despirem de suas crenças e entrar no mundo do outro, amparando-se para não sucumbirem.

Rosa e Momo é a adaptação do livro “A vida pela frente” de Romain Gary, uma história simples e delicada de Rosa (Sophia Loren), uma sobrevivente do holocausto, e ex-prostituta que, após se aposentar das ruas, passa a cuidar de crianças de outras profissionais do sexo para que possam trabalhar.

Depois de 11 anos sem atuar, surge a figura de uma nova Sophia Loren aos 86 anos, com a mesma exuberante atuação que a fez durante décadas ser mencionada como a diva do cinema italiano e a bela entre todas as belas. Conserva a intensidade do olhar e as feições cunhadas pelo tempo não a tornam menos bela.

Minha mãe, uma bela italiana de Rimini, dizia: “quando uma mulher é bonita sempre será bonita, mesmo quando a velhice chegar”. Sophia faz jus a essa mensagem, e continua altiva. Agora dirigida pelo filho Edoardo Ponti que a conduz com todos os recursos que o cinema possibilita.

Outra interpretação magistral é do pequeno e iniciante ator Ibrahima Gueye, que vive Mohamed (Momo, pronuncia-se Momô, como prefere ser chamado), negro, senegalês e muçulmano, concentra em sua imagem tudo que poderia desagradar a uma Itália ainda refeita da crise dos imigrantes de 2008.

A aproximação entre Rosa e o intratável jovem é um desafio que o diretor soube conduzir para preservar a intenção central da trama onde judeus, negros, brancos, muçulmanos e transexuais, como o caso da coadjuvante Lola (Abril Zamora), são todos parte da mesma humanidade.

Cabe ainda salientar a simbologia da leoa que acompanha o imaginário de Momo. A leoa pode representar a imagem arquetípica do feminino de Momo ainda não humanizado, pois ele perdeu o contato com o feminino materno humano precocemente.

A leoa simboliza a força, a honra e o orgulho. Se o leão é o Rei da Selva, podemos dizer que a leoa é a Rainha. Dessa forma, ela governa com poder, coragem, dignidade e autoridade. Além disso, esse animal nos remete aos valores da família, da sabedoria e da ferocidade.

Quando Momo já introjetou esses elementos em sua vida ele pôde deixar a leoa junto de Rosa no cemitério.

Amadurecemos na vida quando, mesmo sem a figura física de nossos pais, os introjetamos através de seus princípios, valores e exemplos.

Mais do que especulações, essa trama mostra o valor de sempre se ter esperança. Nada nos acontece na vida sem o escopo maior do Divino que trama e nos usa para construir histórias de crescimento, evolução, doação e principalmente de AMOR. Conscientes disso, ou não, é assim que a humanidade caminha. Não existe involução.

Rosa e Momo é uma bela história com personagens marcantes e atuações que catalisam todo seu potencial. Momo e Rosa nos acompanham e permanecem conosco muito tempo após o final da película.

Assista o trailer:

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Revisado por Maitê Ribeiro